MEMÓRIAS DE PROFESSOR: INTRUSO

O carro, um D20, bem conservado, não sei o ano exatamente, faz linha nas segundas e sextas-feiras. Transporta quase tudo. Para de frente a uma casa. Essa, de adobe, é baixa. Quem a construiu parece, não esperava que seus habitantes chegassem a uma boa estatura. Quase acertou. Em algumas portas de acesso é preciso que nos encurvemos para passar. Se as portas são pequenas as janelas têm proporção que combina. Depois de algum tempo descobri muitas outras moradias idênticas a essa. Conta a lenda que as janelas tem o propósito de evitar que as donzelas sejam roubadas por algum conquistador. Mas o que se ouve são histórias de muitas em que as janelas não foram empecilho.

A primeira impressão: luz! Conversas no escuro desprovidas de distinção das feições dos interlocutores. Depois de uma viaje cheia de rodeios e desvios, me sinto totalmente perdido. Até aí: um mundo de desconhecidos. Não! Uma eis colega com missão igual a minha é passageira no mesmo transporte. Eu desço, ela continua o trajeto para desembarcar mais adiante! Um mundo de desconhecidos! Sim! Espera longa, decisão rápida. Três meses de expectativas? Isso! Prefeitura com governo novo, contratação cara a cara é o que dá. É possível conhecer alguém?! Risco de erro é grande! Coordenadora descreve a situação, orienta-me sobre caminhos a serem feitos. Abraço conselhos sem questioná-los. Entendo razões. Imagens formadas pela claridade do candeeiro vão ressurgindo agora em minha mente. Já é noite, me explicam o banho. Disso recordo-me vagamente. Nada comum, presença de banheiro! Surpresa é o chuveiro! Coisa boa! Positividade tem ponto!

Era comum jantar farofa de peba. Na primeira noite pelo menos café sei que tinha na mesa. O beiju também se fez presente. Natural é estar em uma mesa posta, rodeada de pessoas intimas entre si a recepcionar um intruso. Quem é ele, a qual família pertence?! Fico a imaginar sobre o possível monólogo que se compunha na mente de cada um naquele celebre momento. Porque expectativa por aquele que se dizia professor tinha a oferecer à comunidade não faltava! Ele seria a segunda tentativa daquele ano. Jantamos! Talvez tenhamos ficado ainda um tempo conversando. Devo ter marcado, para nove da manhã seguinte, a reunião com os pais, pois foi por volta dessa hora que iniciamos a apresentação da proposta que nos trazia a pauta. Fui dormir na casa da merendeira onde morei durante todo o período que passei no Curral de Ramos. Ela ficou em casa de seus pais com o seu filho, único até então.

Paulo Sérgio Costa
Enviado por Paulo Sérgio Costa em 31/03/2012
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