Imprensa do RGS e o Millôr
O jornalão aqui do Rio Grande do Sul publicou neste sábado vários artigos sobre a morte do Millôr Fernandes. Abri o jornal e as páginas que abrigavam a matéria estavam vivas, inteligentes, bem diagramadas. Aquelas garatujas fantásticas criaram certa atmosfera rara de se ver e ler na imprensa gaúcha.
Com certeza trata-se de exceção graças ao fato de que os grafistas exercem pouca atração dentro desse contexto editorial provinciano. Grafistas sempre viveram distantes da pequena imprensa gaúcha por mais genial que fossem. Jogados no ostracismo da desimportância, não raro trocados por traços semelhantes para ninguém notar a diferença da ausência no decorrer das edições. Lembro das substituições ocorridas após a passagem de dois grandes nomes do grafismo gaúcho: Jaca e Corvo. Dupla inesquecível. Neste ponto da imprensa sulina podemos verificar bem esse fato. Eram grafistas que pensavam a matéria que estavam ilustrando. Ilustrações que davam sabor especial à leitura do texto. Penso que foi exatamente isso que incomodou: eram geniais. Ser genial no Rio Grande do Sul guarda um tom provocativo, quase ofensa, tem paladar de algo que deve ser isolado e esquecido. O elogio elege e, portanto, modifica as atenções aprisionadas na mesmice. Millôr Fernandes teria perecido no Rio Grande do sul. A informação sufocante possui regras e a número um é: o mundo é substituível. Todo mundo é substituível para não acumular salários elevados. Para tanto possuem a fábrica de cabecinhas moldadas pelas faculdades do ramo.
A imprensa sem cartunistas joga apenas com o famigerado ambiente do politicamente correto atualizado e disposto a criar a maior guerra possível contra os costumes psicoativos. Imprensa guardiã da moral sacramentada e monomaníaca. É para ler, aceitar e ficar gostando. Nem pensar em reflexão criativa. Por esta razão o tradicionalismo se ambientou perfeitamente nesse cenário vazio, diante da incapacidade de recuperação da imaginação como legítima alma do negócio.
O Pasquim Sul foi o último momento de experimentação criativa da região. Por sorte a rede mundial de computadores abriu espaço mesmo pecando mortalmente no quesito gratuidade. Gratuidade que rouba dos grafistas o direito ao trabalho digno enquanto inventividade.
Culturalmente estamos vivendo um atraso secular graças a constante maquiagem artificial dos valores adotados para serem cultuados. Artificial também porque deixou de ler, abriu mão de reportar a realidade como ela é através da verdade contida no humor. O humor criado para rodar na imprensa gaúcha é inerme, vazio, continua engessado em fragmentos de besteiras óbvias. Bairrismos de novela. Millôr merecia esta homenagem porque a considero essencial para quem curtiu a façanha de se tornar ironista exímio no seio sensual da imprensa brasileira. Millôr vive.