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e souza

Até então, somente uma pessoa tirava-me da cama às quatro horas da madrugada, principalmente se estivesse chovendo e fazendo muito frio. Michelle, minha filha. Quando conheci Verônica (vou chamá-la assim), percebi que ela também tinha este estranho poder sobre meu sagrado sono. Frequentemente no meio da madrugada o som do telefone invadia meu quarto. Do outro lado uma “vozinha”, baixa e assustada.

- Oi , tudo bem?

- Olá meu amor, tudo bem. Fala.

- Me perdoa (assim mesmo), você estava dormindo, te acordei né?

- Não. Você não me acordou. Eu estava aqui parado, olhando para o telefone esperando que você me ligasse... Estava lendo.

- Que tipo de homem fica lendo até esta hora da madrugada?

- Do tipo que têm amigas que ligam às quatro da manhã.

- Dá pra vir aqui agora? É que tem uma “ baratinha “ dentro do meu armário, e ela está olhando pra minha cara neste momento.

- Que tipo de mulher acorda o amigo de madrugada para dizer que tem barata em seu armário?

- Do tipo que ama seu amigo e que fará qualquer coisa se ele vier matar a “ baratinha “. Bem, diante de tão sublime motivo, você também iria, sem se importar com o temporal que desaba lá fora. Às vezes, penso o quê teria acontecido com aquela pobre barata se eu a matasse? Ou se tivesse poupado sua vida? Verônica, certamente teria me chamado outras vezes. Porém, no dia seguinte, havia outra no mesmo horário, desta vez dentro da geladeira (na geladeira?!) É, na geladeira. E lá fui eu disposto a acabar com a impertinência do inseto voador. Outras madrugadas vieram e, com elas outros insetos rastejantes, sempre em lugares inusitados. Benditas sejam aquelas “ baratinhas “ e outros bichinhos que eu jamais encontrei e, se tivesse encontrado teria certamente poupado suas vidas, afinal de contas “ uma mão lava a outra “. As baratas nunca estiveram lá e Verônica mudou-se para o Paraná, de onde me escreve sempre. Tudo isso pra contar que morávamos em Itanhaém, onde Verônica tinha três cadelas lindas, cujos nomes não me lembro. Em uma de suas cartas, a linda moça de 20 anos contou-me que estava muito triste porque a Kimberly (é assim que se escreve? Não sei por quê, mas brasileiro adora complicar nos nomes), ou melhor a Kim, uma amarelinha que foi sua companheira durante muito tempo, havia sumido. Ao ler a carta, fiquei chateado de verdade, sei muito bem o quanto aqueles cães são amados. Contudo, de consolo, uma história poderia servir. Contei-lhe que minha mãe tem um cão, que chama-se Faruck (não disse que se complica no nome?) e é deficiente visual. Ele desapareceu por duas semanas e voltou. Naturalmente porque é tratado com muito amor. Verônica respondeu prontamente a minha carta como o faz toda semana. Entre outras coisas, ela escreve: “... Fiquei muito emocionada e feliz pelo Faruck ter encontrado o caminho de volta, mesmo sendo cego. Agradeço pela demonstração de carinho por minha Kim. Creio que ela jamais voltará, pois foi levada por alguém que entrou no meu quintal e não pretende devolvê-la, porque a Kim não é uma de minhas cachorrinhas, e sim, minha bicicleta. Beijos “. Estou um pouco preocupado com o estilo de vida que adotei, porque já não me lembro mais qual foi.

e-mail: esdontomazdesouza@gmail.com

E Souza
Enviado por E Souza em 30/03/2012
Reeditado em 26/07/2014
Código do texto: T3585257
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