ALMOÇO DE DOMINGO

Há menos de 40 anos, as famílias eram compostas por, aproximadamente, umas oito pessoas: os pais e seis filhos. Por falta de métodos anticontraceptivos ou não, os rebentos vinham ao mundo de ano em ano, ou com espaçamento de dois ou três, no máximo. Isso fazia com que os mais velhos ajudassem os pais a cuidarem dos mais jovens.

Essa tarefa envolvia mais do que tomar conta para que as traquinagens não virassem galos na cabeça ou gesso nos braços e pernas, mas, também, fazer as mamadeiras, trocar as fraldas e colocar para dormir. Assim, as meninas aprendiam, muito precocemente, a cuidar dos irmãos, e, em contrapartida, a serem mães, o que parecia ser os seus destinos.

Invariavelmente, irmãos mais velhos tinham de dar bons exemplos aos mais novos, enquanto esses tinham de respeitá-los e todos eles aos pais. Esse “respeito” aos genitores era intangível, mas se manifestava diante de um simples olhar com o cenho franzido ou de um assobio, pois ambos podiam significar: “Passa aqui! Agora! Para casa!”

A mãe era “a dona de tudo, a rainha do lar”, aquela que valia mais do que o céu, a terra e o mar”, era “a palavra mais linda, que um dia o poeta escreveu”, mas embora tivesse o “avental todo sujo de ovo”, decorado com os restos das gostosuras que fazia na cozinha, ela tinha o “chinelo na mão”.

É certo que muitos pais pensavam como Mário Lago, enaltecendo as qualidades da Amélia: “As vezes passava fome ao meu lado e achava bonito não ter o que comer. E quando me via contrariado dizia: meu filho, o que se há de fazer?”, enquanto decoravam suas cabeças com chifres, mas os filhos disso nunca sabiam e se soubessem fingiam ignorar.

Os tempos mudaram e um episódio ocorrido em 07 de setembro de 1968, em Atlantic City –USA (local onde era realizado o concurso de Miss América) pode ser o grande responsável pela “independência” da mulher. Nesse dia, cerca de 400 ativistas do WLM -Women’s Liberation Movement- fizeram uma pilha de sutiãs, sapatos de salto alto, cílios postiços, sprays de laquê, maquiagens, revistas, espartilhos, cintas e outros “instrumentos de tortura” e alguém sugeriu que ateassem fogo. Apesar da fogueira de fato não ter acontecido, pois o local não era público, o episódio ainda é conhecido como Bra-burning, algo que ficou conhecido como “queima de soutiens”.

Desde então, as mulheres “caíram” no mercado de trabalhos, as minissaias apareceram, o conceito de virgindade ficou “careta”, as pílulas anticoncepcionais se tornaram acessíveis, as mais corajosas fizeram suas “produções independentes”, entre os casais o número de filhos diminuiu e eles passaram a ser cuidados por avós ou babás.

Cansados das jornadas diárias de trabalho, de volta ao lar, o remorso batia no peito dos pais e mães pelo “abandono” dos filhos, e, então, os chinelos ficavam esquecidos em seus lugares. Diante de rebeldias que deveriam ser limitadas com autoridade, era preferível relevar, pois as culpas não permitiam que se castigasse o “inocente que não pedira para vir ao mundo” e que ficara “sozinho” durante oito horas.

Nessas situações, lamentavelmente, ainda hoje, ninguém quer fazer os papéis de bruxos nas vidas dos filhos, preferindo fazer os de mago e fada, que transformam o fruto dos suores dos rostos em coisas que aliviam suas consciências: dinheiro ou presentes.

Assim, muitos deles que não tiveram de cuidar de irmãos mais novos, não puderam brincar de pique nas ruas (elas hoje pertencem aos carros) e não tiveram de exercitar a criatividade para inventar brinquedos, também não aprenderam a poupar nada, não sabem o que são limites, ignoram os pronomes de tratamento “Sr.” ou “Sra” e nem sabem o que vem a ser “Bênção, mãe!” ou “Bênção, pai!”.

Não prego o retrocesso, nem a violência ou o espancamento de ninguém, mas o entendimento de que as atuais nefastas ocorrências entre pais e filhos devem ser refletidas e corrigidas pelas novas gerações, sob pena de extinção geral de um valor que, a duras penas, tem sustentado as relações sociais: o respeito.

Não sei como isso poderá ser feito, já que é impossível se dar o que não se tem, mas sugiro que além de amor e conversa franca, o cardápio dos almoços de domingos volte a ter como prato principal macarrão e galinha ensopada. Que os pais voltem a servir os pés, as costelas ou o pescoço aos seus filhos, e lhes ensinem que o peito, as coxas e as sobrecoxas são daqueles que colocaram a galinha dentro de casa.

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 30/03/2012
Reeditado em 18/09/2015
Código do texto: T3584528
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