O que nos falta do golfinho
O ritual dos peixes é admirável! Cercando seus amores num balé de atraentes movimentos, faz da dança a precedência do amor. Por isso, entre nós, também os enamorados procuram circunstanciar na dança alguma paixão, no que se destaca a arte cênica dos golfinhos no azul do alto mar: brincam, agitam ondas, ornamentando-as de espuma. O macho tudo faz para atrair a fêmea; a fêmea, durante sedutoras melodias, conquista o macho apenas sendo fêmea . Afastada do bando pelos encantos do golfinho, nada dias com o escolhido; caminham distâncias os dois, somente os dois, trocando palavras, aumentando as carícias como se estivessem sozinhos na intimidade de uma ilha paradisíaca.
Conversam com uma sinceridade maior do que a dos homens e, emitindo agudos sons da sua linguagem, reaproximam-se para, com olhares insinuantes, dançarem o balé dos toques; deslizam um no outro na sensualidade dos corpos, demonstrando-nos como é importante o carinho. Ao contrário dos nossos crimes chamados de “bestiais”, como extravagâncias do instinto animalesco, revelam-nos uma curiosidade: entre os animais não acontece estupro... Os golfinhos são exemplos: conhecem-se, compreendem-se, desejam-se e, de ventres colados, estimulam-se numa unida sincronia.
Nadam em direção às águas mornas dos mares dos trópicos praticamente esquecendo a alimentação, somente lembrada pelos camarões que os seguem também à procura das águas quentes; conversam sem marcarem tempo, até a fêmea bater a cauda na água, pedindo ao golfinho apoiar o seu corpo nas suas costas; voltam a colar um no outro e nadam, nadam agora na linguagem do silêncio ajudada pelo tato. Encostam-se mais ainda um no outro, colocando os corpos frente a frente, em pé, num nado vertical; mesmo pesadíssimos, tornam-se levíssimos. Grunhem no prazer e, depois de realizado amor, admiram-se e voltam a cantar melodias que o mundo das sereias escuta como festival das mais lindas canções. Mário Quintana, no Espelho Mágico, poetiza o que é “Do mal e do bem”: “Todos têm o seu encanto: os santos e os corruptos. / Não há coisa, na vida, inteiramente má./ Tu dizes que a verdade produz frutos.../ Já viste as flores que a mentira dá?” Diferentemente dos homens, na natureza dos golfinhos, só há coisas inteiramente boas, o que poderia transformar o mundo. Daí, eu repetir que a sociedade será sempre o que for o amor humano, quiçá como o dos golfinhos...