_Aniversários

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O dia 18 pra mim é especial. Embora acredite ser desnecessário presentear alguém e evite receber presentes, foi num dia dezoito, esquecido no tempo, que nasci.

Os astros atribuem inconstância aos geminianos. Se dissessem que somos a representatividade plena do equilíbrio humano também daria certo. Na realidade, suspeito que a astrologia valide os desvios da curva de Gauss...

Voltando ao dia 18: dá noves fora zero! Perfeição geométrica? Indicação de vazio? Contradição da finitude poligonal? Dar presentes é chatice – gera obrigação de agradecer. Sorrisos fáceis. Gentilezas. E odeio a formação silábica do comentário canônico: o-brigado! Cria em mim misto de exclamação, símbolo do espanto, da surpresa; e descontentamento.

Em todo réveillon faço projeções semestrais. Ao presenciar os abraços e as promessas para o novo ano – meras convenções – entristeço ao pensar que em pouco mais de 180 dias será meu natalício.

Os fogos que fascinam olhos ávidos me ensurdecem a tristeza – é a pólvora que mata, dando brilho à morte, hipnotizando o homem sedento por luz. É a pólvora multicolorida, maquiando a vida em preto e branco de milhões de humanos gratuitamente mortos.

Os gritos de dor vindos do hospital construído nas imediações da orla não são ouvidos. Agora, as ruas estão cheias de flores, gingados, sorrisos, magia.

Nasceu uma criança. Pobre. Jamais conhecerá o pai.

Outra rajada de explosivos singra o espaço – transformada em papel-moeda poderia comprar o remédio que faltou na farmácia do hospital.

Outra criança morreu. Os pais choram, abraçados, mas a euforia da beira-mar, os holofotes das televisões fecharam as objetivas para aquele sofrimento – a única cena permitida é a do tiro de canhão azul da bateria de fogos instalada no espigão da praia – imagem que ficará guardada na memória para sempre.

A vida é sopro, sutil demais, mas hálito tempestivo, sopro de súplicas.

A mesma pólvora que encanta o turista baleou um homem pobre. Ele agoniza. Os médicos tentam reanimá-lo. O calor da pólvora silenciou mais um grito. Agora, o grito é de dor e desalento.

Se a vida se renova no dia primeiro atrasei em dezessete dias minha renovação. Meu cartão aniversaria hoje – estourei o crédito! O aluguel atrasou, existe conta de água em aberto, o consumo da energia foi excessivo e hoje, dia 18, aniversário dos débitos, tomei banho de balde usando a caneca velha, laranja, que ganhei de presente ano passado, sem alça e no escuro – pelo menos estou livre de choques elétricos. E no escuro, o laranja de mau gosto parece preto – gosto dessa matiz (combina com minha atual situação). O atraso fez aniversário de dois meses. Comemorar o quê? Pelo menos se lembraram de mim – faz tempo que lembram – e me ligaram pra avisar que o pagamento estava fazendo mês. Gravidez? Ignoro o nome que se dá ao bicho inadimplente, mas em gestação de dois meses dá pra nascer o que, alguém sabe? Se minha máquina de datilografia estivesse com fita nova eu até que ensaiaria escrever algo pra desabafar. Sem a fita e sem fósforos pra acender as velas a saída é fechar os olhos enganando o breu da escuridão. A noite se inicia. Até a nova aurora, o relativismo do tempo parece estagnar-se em mim. E o sonho não vem...

Dia 18 minha mãe nasceu. Noutro 18 minha avó faleceu. Anos depois, em 18 de abril, nasceu o Gui, meu sobrinho. Nunca houve comemoração de aniversário da minha mãe. Pra ela, o nascimento e a morte se fundem, todo ano, justamente no dia 18. A diferença foi de horas: ela nasceu 18h18min e minha avó, no mesmo mês e dia, faleceu 08h18min – parece que a morte chega antes do nascimento. E o Gui, nascido em abril, pode ser a verdade contada no mês do dia da mentira. Paradoxo? Ele também nunca me convidou pra soprar velinhas...

Meu pai nasceu num dia 5. Faleceu noutro dia 5. Dezoito dias menos 5 dias dá 13 dias – número da sorte! Coincidência? Refutável. Para mim, a morte do meu pai, foi puro azar! Ficaram as lembranças. Restam saudade, dor e o desejo do reencontro. E no meu calendário os dias vão se avolumando de más recordações.

Retiro a velha carteira preta do bolso. Olho o calendário. Hoje é dia 18. Escuso-me revelar o mês e o ano, mas asseguro: 18 continua sendo especial pra mim.

Crato-CE, 18 de setembro de 2011.

23h39min

Nijair Araújo Pinto
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 30/03/2012
Código do texto: T3583901
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