E pur si muove
Enquanto Lígia bordava corações em ponto cruz, eu que há pouco fui tomada de um furor laborioso, ultimava um relatório, uma informação: atenciosamente, Sorocaba, 22/03.
Ainda penso sobre o encontro que tivemos, Hang e eu, sábado pela manhã. Mais que ofendida (como poderia?) estou confusa. As coisas que dissemos e mais, que ele disse, sobre meu trabalho (e nem era essa a questão) ficam em ciranda, girando, girando, experimentando novas posições, composições ousadas e impensadas...fermentando, criando, girando, gerando...O coração, como se sabe, mora no centro esquerdo do tórax humano. Fosse de ponto cruz e ficaria onde o colocássemos, mas não, em seu movimento crucial, aninha-se no peito, seara incerta de sentimentos. É meu o peito que se agita assim desconfortável sem compreender as ordens cerebrais, tentativas inúteis de organização. Se gostasse de mim, queria dizer a ele, não me diria coisas tão confusas, que exigem tanta atenção e discernimento. Não agora. Pois não acabei de dizer-lhe do medo que passei e do pressentimento que tenho de que o mundo se move? Se escutasse meu coração, saberia que sob o seio operado ele perdeu o ritmo. Encanta-se, tolo, com as borboletas de esperança e riso que adejam ao redor. Não tem palavras. Desconhece como exprimir o que sente e deseja. Bate. E o mundo se move. Atenciosamente. Inexoravelmente. Março de doismil.
22/03/00