MELANCOLIA

Hoje dormi muito, não o muito que eu quereria, mas muito a ponto de ficar indisposta, uma leve enxaqueca, fraca, mas persistente. Estou cansada, mas não sei especificamente de quê. Acho que da mesmice, das coisas sem sentido, da indiferença. Cansada dos outros. Pior, cansada de mim.

O barulho me incomoda, não tem jeito, tenho que levantar, vestir o escafandro e mergulhar na vida. Meu prédio tem piscina, antes não tivesse. Detesto a gritaria descontrolada das crianças. Quando eu era criança ninguém gritava assim. Eu, até hoje, não sei gritar, não consigo. Gritam muito, às vezes tenho que colocar protetores auditivos. Outro dia já passava das dez da noite e aquela gritaria lá embaixo. Interfonei ao porteiro e reclamei. Melhorou.

Hoje não se respeita mais nada, as crianças não têm limite nenhum. Pais sem limites, filhos sem limites. Daqui a alguns anos, quando eu mergulhar toda na terceira idade – se isso acontecer – vou me recolher a uma casa de repouso.

Estou melancólica. E nostálgica. Não sei por que me lembrei da musiquinha de infância: “Marcha, soldado, cabeça de papel, quem não marchar direito, vai preso pro quartel”. Acho que preferiria ir presa, coisa mais besta essa de soldado marchando, se preparando para uma possível guerra, matar pessoas, deixar viúvas, órfãos e mães chorando pelos que caem vítimas dos inimigos desconhecidos.

Outra coisa também muito desprovida de senso é ficar todo ano lembrando a Paixão de Cristo – também não sei porque lembrei disso, mas já que lembrei... Acho que as coisas ruins a gente devia esquecer, pelo menos tentar, não ficar cutucando a ferida toda hora. Na minha cidade tinha a procissão e o “Canto de Verônica” era tão triste que dava vontade de chorar. Criança não devia ir à procissão da Sexta-feira Santa. E também não deviam fazer músicas tão tristes. Deviam pular a sexta-feira e ir direto pra hora da Ressurreição, pois não foi isso a coisa mais importante que Jesus veio mostrar? E pra ressuscitar tinha que morrer, não tem jeito. Quer coisa mais bonita do que ver nos filmes aquele corpo vestido de branco brilhante, todo envolto em luz, a alegria dos apóstolos, as dúvidas de Tomé se dissipando e Ele dizendo que voltaria ao Seu Reino, mas que estaria sempre junto de nós e que um dia todos estaremos com Ele no Reino do Pai?

Então vamos confiar n’Ele, e chega de melancolia!