Apêndice

Eu uso óculos desde os oito anos de idade, devido a uma anomalia da visão causada por irregularidades na curvatura da córnea transparente, mais conhecida como astigmatismo. Até então era esta a única deficiência física com a qual convivi até meus 27 anos de idade. Mas hoje descobri uma nova deficiência física, eu não possuo um Facebook. Estranhou eu dizer deficiência física por se tratar de uma rede social? Na verdade o Facebook atualmente é um apêndice do corpo humano.

Minha deficiência visual faz com que eu precise usar óculos para poder ler palavras a distancia, como por exemplo, o letreiro do ônibus. Este problema de visão nunca me impediu nenhum tipo de interação social. Mas a falta deste apêndice, hoje me impediu de fazer parte do grupo de estudos da cadeira de processos grupais da minha faculdade de psicologia. Não tenho nenhuma deficiência mental, apenas não tenho um perfil no Facebook. Alias, já estou começando a me questionar se realmente não possuo algum tipo de psicopatologia. Pois dia destes numa reunião de trabalho, com mais ou menos cem pessoas , quando questionados sobre quem não faz parte da rede social mais usada no mundo, e ninguém levantou a mão, (não tive coragem e não levantei também) eu me vi como um ser alienado do mundo e fiquei um pouco preocupado.

Pessoas alfabetizadas e com acesso a internet sem um perfil no Facebook são tão comuns quanto achar uma nota de cinqüenta na calçada. Se filtrarmos para pessoas que cursam o ensino superior, eu seria comparável a uma ararinha azul. O "face" se tornou tão conectado a pele que você não está namorando se o seu perfil disser solteiro. Se você fez, mas não postou no "face", que graça tem? As pessoas usam a vida real para esculpir, decorar e enquadrar o corpo, e adequá-lo a uma paisagem agradável aos olhos de quem vê numa atualização da página principal. Digo a vida real, porque o "face" já se tornou uma coexistência, uma realidade flutuante.

Freud diz que o mal estar na sociedade consiste na repressão, no conter instintos e desejos, como a vontade de bater no seu chefe, e não poder sem ser punido severamente. Mas também na repressão inconsciente, nos recalques que a sociedade inflige ao cidadão. Hoje mais do que nunca escrevo sobre o meu recalque mór, sobre essa tal rede social, que uma simples promoção do refrigerante diz que eu preciso ter, se eu quiser participar. Cedo ou tarde eu terei que ceder, eu sei, porque CPF e RG ainda funcionam para estar, mas não para se ser.