Ao Pensar da Madrugada

AO PENSAR DA MADRUGADA

- Prelúdio -

Acordado nessa longa e duradoura madrugada me pego pensando sobre várias coisas. Coisas essas que tem a força penetrante da insistência, a força que derruba quaisquer barreiras que a mente tente inutilmente levantar. Tais coisas – algumas mais, outras menos – me colocam para pensar. Pensar, as vezes, sobre épocas passadas, hoje em dia a muito remotas, onde tudo era de uma simplicidade singela, onde os devaneios não eram uma “preocupação”, mas sim sonhos inocentes de uma mente virgem aos olhos do mundo.

As vezes me pego e me surpreendo pensando em pessoas, algumas - em grande maioria – que já não ocupavam espaço em minha memória ou que já se encontravam profundamente ocultas entre as brumas do pensar. Pessoas essas que já me proporcionaram inúmeras alegrias e por ventura algumas tristezas, que um dia pensei que fossem durar para sempre em uma corrente de amizade uma vez forjada na chama da inocência, mas que hoje em dia me parecem estar enterradas a sete palmos em um “Cemitério de Memórias” em algum lugar nos campos confusos e por algumas vezes inabitados de minha mente.

As vezes determinados momentos vem à tona. Momentos que me jogam em um redemoinho de memórias situado em um mar de pensamentos que muitas vezes me fazem acordar em uma praia do sonhar.

- O SONHAR -

Jogado na praia como um naufrago retirado de seu navio por uma tempestade violenta, acordo com os olhos voltados ao céu. Céu este repleto de nuvens tempestuosas, como se estivessem a ponto de libertar uma poderosa tormenta. Lentamente me levanto. Cabeça pesada, mas não mais que minha consciência. O motivo... Ainda não tenho conhecimento, mas assim como uma andorinha que migra para o ninho para proteger os filhotes da imensa tempestade que está por vir, algo misterioso me faz adentrar na ilha desconhecida sem saber se algo de bom ou de ruim me acontecerá, apenas sei que tenho que adentrar.

Adentro na vegetação fechada agora com um sentimento de receio. A cada passo que dou a vegetação toca meu corpo, como se ela mesma não quisesse minha presença na ilha. Após vários metros percorridos me deparo com uma espécie de clareira e percebo que o anoitecer está chegando. Com a chegada da noite tempestuosa me deito na areia tentando descansar meu corpo dolorido. Ao longe, escuto o estrondo dos trovões e meus olhos se maravilham com uma chuva de relâmpagos que cruzam os céus fazendo inúmeros desenhos que somente uma mente cansada e inóspita poderia entender.

Passo algum tempo interpretando os desenhos bruscos, porém de uma enorme beleza, que os relâmpagos ostentam perante meus olhos. “Um belo espetáculo”. Imagino eu, enquanto minúsculas gotas d’água começam a cair sobre mim. Com a chuva já formada começo a sentir certo prazer, o tipo de prazer que apenas somos capazes de sentir com as pequenas coisas que o maior e melhor professor que existe, o mundo, é capaz de nos prover, tais como o doce sorriso de uma criança e o olhar indagador da inocência.

Somente a partir desse momento, desse sentimento, entendo o motivo do meu estar na tão desconhecida ilha. Algo me trouxera aqui, a este lugar esquecido, para que meus olhos pudessem ver o que já viam, mas que há muito tempo deixaram de interpretar, para que meu corpo pudesse sentir o que sempre sentiu, mas que a muito perdera, a capacidade de aproveitar. A simplicidade de um olhar, o prazer dos pequenos gestos, o alivio para uma mente perturbada...

- O PENSAR -

Acordo do sonho surreal molhado pelo suor noturno causado pelo clima morno de uma noite não tão aconchegante. De súbito me pego pensando no sonho recém sonhado. Sinto um leve aperto no coração; demoro um pouco para entender, mas acabo me surpreendendo com a significância final... É a saudade. Saudade da praia, do brilho quase que incessante dos trovões, do sentimento reconfortante da água em meu rosto, saudade de todo o sonho. Mas como posso sentir falta de algo que não passou de uma fantasia? Porque algo tão surreal me causa tamanho desconforto?

Sento-me na cama apoiando meus cotovelos sobre meus joelhos e minha face sobre minhas mãos. Volto a me deitar, tentando inutilmente voltar a sonhar o sonho tão sentido, mas minha tentativa é em vão. Passo a observar o teto do quarto. A cada momento o sentimento de saudade aumenta e, depois de certo tempo, percebo que quase duas horas já se passaram. Percebo que realmente não conseguirei voltar à estranha ilha, a qual estranhei e até tive receio de entrar no inicio, mas que agora passo a desejar nunca ter saído dela.

Mais uma hora se passa e, ainda acordado, começo a notar os sons da noite. Mas não são quaisquer sons, mas os sons do silêncio. Fico intrigado por perceber que o silêncio, a própria ausência do som, consegue se comunicar comigo. Algumas pessoas, se abordadas por Ele, o silêncio, talvez não o compreendessem, pois estariam acostumadas a conversar com as palavras, e com essa concepção errônea elas seriam pegas pela armadilha astutamente armada pelo erro, pois o silêncio se comunica por meio dos sentidos, mas não aqueles que conhecemos, mas os que estão acima dos cinco sentidos simples e mundanos que os homens possuem... Os sentidos da mente.

Minha mente começa a se encher de novas percepções, novas maravilhas nunca antes por mim notadas, tais como, o conforto da escuridão, a leve sensação do passar de uma brisa, e tantas outras coisas que eu apenas seria capaz de explicar àqueles que pudessem adentrar em minha mente.

Olho pelas frestas da janela e percebo que o sol já está a acordar de seu sono, pronto para dar a lua o seu devido descanso. Ouço o cantar de um galo e, antes que eu pudesse me despedir, percebo que Ele, o silêncio, já não está mais em minha companhia.

Volto a me sentar na cama, prestes a levantar-me, e percebo que a saudade já não existe mais. Percebo o que o silêncio queria realmente me dizer. Percebo agora que todo o sonho que a pouco me deixava desconfortável com tamanha saudade não passava de um aviso, um aviso de que minha mente estava a chamar-me. Chamar-me para as coisas belas do mundo, da vida, das pequenas coisas que eu estava deixando passar sem dar a devida importância. Também passo a perceber algo que me faz dar uma leve e abafada gargalhada. Percebo que já tive, tenho e terei a oportunidade de falar com os mais variados tipos de pessoas, mas que, com toda a certeza, nenhuma delas pode, e nem poderá dizer-me tantas coisas quanto o meu novo amigo, o silêncio...

Edgar M B Neto
Enviado por Edgar M B Neto em 28/03/2012
Código do texto: T3580294
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