MINHA URGÊNCIA
Nasci e vivi minha infância numa casa construída no pé de uma montanha. Tinha mato por todos os lados, um precipício abaixo e muitas montanhas à frente. Assim, a vista sempre acabava num obstáculo logo à frente.
A mais veemente lembrança que tenho de ‘uma vista longa’ é a das chuvas de verão. O tempo se armava, o céu escurecia, algumas trovoadas e relâmpagos. Eu sentava na ponta da calçada, deixava as pernas balançando no ar, estendia os olhos sobre as montanhas que logo começavam a branquear. Parecia uma cortina de voal descendo sobre a terra. Primeiro cobriam-se as montanhas mais distantes, depois o precipício abaixo e em poucos minutos a chuva já molhava o verde dos potreiros e chegava nos meus pés. Às vezes eu me deixava molhar, mas logo ficava com frio e corria para a varanda da casa.
Em todos os outros lugares que habitei depois, a vista era curta. Tinha sempre casas nos lados, ou à frente, atrás, ou mais que isso: arranha-céus, postes de cimento, rede elétrica, barulho de cidade e muita gente. E este ‘reboliço’ me acompanha vida afora.
Hoje, num destes instantes que Clarisse Estés denomina ‘volta ao lar’ das mulheres, me deparo com uma necessidade latejante: preciso muito ter uma paisagem larga e longa na minha janela ou varanda, escorrendo sob meus olhos. Poderá ser uma várzea com plantações e estradas, um lago, mata, rio, parque... Mas de preferência o mar! Não importa o que seja, desde que seja o que me baste. Não quero mais obstáculos à minha visão. Quero dormir e acordar com esse ‘calmante natural’. Quero ver longe para sempre. É isto que desejo, este é meu ânimo, minha busca, minha paz. Com urgência, silêncio e sem interrupções.