Matematicamente correto
Matematicamente correto
(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza
DE TRES EM TRES MESES, no enorme refeitório do manicômio, a direção reunia uma fila composta de seis psicopatas pinçados de todos os quase noventa pacientes, para fazer uma espécie de exame rotineiro. A idéia era determinar, através de uma ligeira avaliação, acompanhada por um especialista, qual (entre os menos birutas), estava apto para deixar as dependências daquele estabelecimento, receber alta e retornar a vida social e ao seio de seus familiares. Desta feita, quando o médico apareceu no umbral da porta com sua maletinha preta na mão esquerda, topou com a tal da meia dúzia de doentes ordenadamente sentados, um ao lado do outro, acompanhados de enfermeiros e funcionários que cuidavam para que tudo corresse numa boa e ninguém saísse ferido, caso um deles, num inesperado ataque de comportamento fosse acometido por uma súbita crise inesperada, ou imprevista, e deixasse a galera em polvorosa e com os nervos à flor da pele. Depois de se ajeitar, colocar seus pertences em uma mesa improvisada, o representante da medicina tirou dos bolsos do jaleco um estetoscópio, ajeitou no pescoço, seguido por um aparelho de medir pressão, e, após pegar a caneta e um bloco de receituário, fez sinal para que um dos enfermeiros cuidasse de trazer o primeiro. O sujeito sentou sem dizer nada e encarou o doutor.
- Como é seu nome?
- Bitelo.
- Ok. Bitelo. Vou fazer uma pergunta simples. Simples e fácil. Preparado?
- Sempre!
- Quanto é um mais um?
- Onze - respondeu, de pronto, o gira.
O doutor balançou a cabeça como a dizer com seus botões: “Esse não tem condições. Nem que eu queira.”.
Veio o segundo. Após indagar pelo nome, o mesmo questionamento voltou à cena.
- Seu Fungado, quanto é um mais um?
- Puta que pariu!
O médico coçou a cabeça, numa clara demonstração de desanimo. Fez sinal para que lhe trouxessem o próximo.
- Amigo, como é seu nome?
- Zoião. E o seu?
- Isso não vem ao caso. Quero que responda seu Zoião: quanto é um mais um?
O estouvado não se fez esperar:
- É porra, meu prezado, é porra!
O esculápio ficou agitado, raivoso, encapelado, literalmente enfurecido, mas se controlou. Veio o quarto. Usou da mesma tática aplicada aos três primeiros.
- Seu nome?
- Meu nome é Zé Pequeno!
- Bonito nome. Quanto é um mais um?
Zé pequeno pensou alguns segundos, e, então se levantando inopinadamente, aplicou um potente soco na mesa e respondeu com encrespada rispidez:
- No cu, seu veado. No cu. Posso ir?
O perito aloprou. Ficou vermelho como um pimentão. Faltou pouco para chegar às vias de perder a esportiva e estourar com o sujeito. Mas, contou até dez. De que adiantaria? Era um débil mental...
Bastante tremulo e chateado, sinalizou para que o enfermeiro trouxesse o quinto.
- Amigo antes de qualquer coisa. Diga seu nome?
- Banquinho de Pai de Santo, às suas ordens.
- Vamos ver se você é mais esperto que seus colegas. Quanto é um mais um?
O infeliz não se fez de polido nem se mostrou civilizado:
- É merda! É merda, seu Mané!
Faltava o último dos moicanos, o derradeiro. Quem sabe esse estivesse em melhor situação, pelo menos posicionado no tempo e no espaço de forma coerente, e, com as graças do Altíssimo, recebesse a carta de euforia para deixar o sanatório.
- Meu amigo, vou ser rápido e quero que seja também.
- Pois não, seu doutor. Não quer saber antes meu nome?
- Desculpe, já ia esquecendo. Qual sua graça?
- Chifrudo Conformado de Oliveira.
- Muito prazer, seu Chifrudo. Vamos lá. Quanto é um mais um?
- Dois – respondeu, com firmeza.
O destro, finalmente abriu um sorriso franco.
- Parabéns, meu rapaz. É isso mesmo. Gostei de ver.
- Eu é que agradeço a gentileza.
- Agora me diga, seu... Como é mesmo que disse se chamar?
- Chifrudo Conformado. Mas atendo pelo apelido de Galheiro.
- Tudo bem, tudo bem, seu Galheiro. Pode esclarecer como chegou a essa conclusão?
- Que conclusão? Que sou galheiro?
- Não, amigo. Tal fato para mim não faz a menor diferença. Faço referencia ao resultado do quesito que lhe fiz. Um mais um, lembra?
- Por certo, doutor, evidente que me recordo. Foi mel na chupeta. Na verdade me baseei nas réplicas dos meus amigos aqui presentes.
- Como assim? Não entendi. Pode ser mais explícito?
- Perfeitamente, doutor. Será um prazer. Faça os cálculos comigo. “Onze” mais “puta que pariu”, multiplicado por “é porra”, elevado ao cubo, obteremos, na lógica, a raiz quadrada de “no cu, seu veado”. Pois bem! Continuando, minha explanação, “no cu, seu veado”, vezes “é merda, seu Mané”, diminuído da minha resposta, só pode dar dois, como, aliás, foi o que respondi. Dois!
O psiquiatra catou suas coisas e, de mansinho, saiu à francesa.
(*) Aparecido Raimundo de Souza, 58 anos, é jornalista.
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