Fim da linha

Era uma quinta – feira como outra qualquer. Saí do prédio em que trabalho exatamente às cinco horas da tarde, esperei pacientemente pelo elevador que não tardou a chegar, em menos de dez minutos já estava no andar térreo. Junto comigo umas três pessoas deixaram o elevador e encaminharam-se para seus compromissos, e eu segui em direção a estação do metrô na Avenida Faria Lima.

Entrando no metrô, dentro de uns vinte minutos já me encontrava na estação da luz, pessoas iam e vinham em todas as direções, transformando aquele espaço em um verdadeiro formigueiro. Ao subir as escadas ganhando a plataforma, pude perceber o quão lotada estava, ou seja, sem chance de ir sentado e dormindo. A viagem transcorreu da mesma forma de sempre, o empurra-empurra, as pessoas desesperadas para entrar no trem, umas atropelando as outras, a ladainha de sempre.

Ao descer em Francisco Morato, depois de uns cinqüenta minutos no trem, encontrei com um amigo meu e nós fomos conversando até entrarmos no trem que iria para Campo Limpo Paulista, onde fica a faculdade que eu estudo. No meio do caminho, há pelo menos uns cinco metros do túnel de Botujuru. O trem para abruptamente, e o maquinista anunciou:

- Parada por motivo de suspeita de atropelamento, seguiremos viagem assim que a segurança chegar.

Houve uma lamentação geral, o pessoal reclamou muito, uns porque iriam se atrasar para a faculdade, outros por que trabalharam o dia inteiro e queriam voltar logo as suas casas, outras pessoas por que tinham provas da faculdade para fazer e por último alguns tiravam sarro do acontecido. Passado algum tempo, o maquinista deu a sentença:

- Senhores passageiros, a suspeita de atropelamento foi confirmada, e a segurança irá fazer a remoção do corpo, peço que aguardem mais um momento.

Nesse momento a coisa degringolou de vez, as pessoas faziam as piores piadas possíveis sobre o acontecido, um homem que parecia estar em um estado alterado, disse:

- Amanhã, caixão lacrado. – e riu como se aquilo fosse a coisa mais engraçada do mundo.

Meu amigo me cutucava – Essa F.D.P. não podia ter escolhido outro dia para se atirar na linha? Podia ser segunda que está no comecinho da semana, mas pô logo hoje cara! Eu vou perder o horário por causa disso! – ele completou cheio de indignação.

- Meu, uma pessoa morreu, a família vai sofrer quando souber o que aconteceu, e você está pensando só que vai se atrasar para a faculdade. – eu disse. – Qual o seu problema?

Um cara sentado ao meu lado retirou o celular do bolso e começou a discar um número:

- Vou ligar lá para a Globo! Quem sabe com um negócio desses eles não vem para cá? – e depois sorriu de orelha a orelha.

Ao longo de todo o vagão ou pelo menos até a sua metade, não consegui ouvir ninguém dizer que sentia muito pela moça, ninguém comentando como a família dela reagiria, todos estavam tão focados em seus próprios problemas que simplesmente aquele incidente se transformou em algo banal.

Eu poderia até imaginar os vagões passando pela pessoa, levando seus sonhos, seus gostos, sua vida embora. Fosse suicídio ou acidente não caberia a ninguém ali julgar, não caberia a ninguém tirar o sarro de algo assim. Eu fechei os olhos e orei tanto pela mulher quanto pelas pessoas do vagão, talvez até mais pelas pessoas do vagão, mesmo sentindo que elas não eram merecedoras das orações.

Quando terminei, olhei para minha frente e tinham quase seis pessoas amontoadas na janela para ver em que estado o corpo tinha ficado, um deles até retirou uma lanterna de led do bolso para ver com maior clareza o resultado do fato. As piadas pararam assim que o trem que fora liberado para continuar o trajeto.

Penso que naquela noite foi o fim da linha para aquela mulher. Pude perceber aquela noite o quanto a crueldade humana é densa, e densa nos sentidos mais profundos da palavra, a indiferença das pessoas era total. Notei que isso poderia ser usado como um exemplo literal de como algumas pessoas estarão quando chegar o nosso fim da linha, pequenos, indiferentes e incapazes de ser feliz.

André Martza
Enviado por André Martza em 27/03/2012
Reeditado em 27/03/2012
Código do texto: T3578941
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