_A pescaria e o avião
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– A pescaria foi boa?
– Foi nada, mulher! Nem piabinha a gente pegou...
– Pensei que tivesse sido ótima! Você pescou até roupa nova, não foi?
Lazarelli, o marido, apesar do bucho que exorbita, prolapsado, barriga afora, tenta passar em revista as próprias vestes.
– É que...
– É que faz dois dias que você saiu de casa pra pescar, de sandálias de dedo, sóbrio; e me chega agora, embriagado, cheirando a perfume de boteco, sem os benditos peixes!
– É que...
– Onde deixou sua bermuda? Que calça coladinha é essa que você arrumou, homem de Deus? Onde diabos e com quem você pegou isso pra vestir? E esse cheiro horrível de peixe morto...
– É que...
– É que é uma ova!
“Isso é que é mulher!” – pensa Lazarelli, aparentando alívio.
Imediatamente, liga para o parceiro de pescaria e esbraveja:
– Ei, coligado! Tem como você vir deixar as ovas dos peixes aqui em casa agora? É que a mulher está uma fera comigo.
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Na noite anterior, Lazarelli e o parceiro estiveram num dos botecos mais badalados de uma cidadela próxima à capital. Reencontraram o cantador Leleco, sumido das redondezas do lugarejo desde a época do recrutamento de Lazarelli, na década anterior àquela noite de seresta. Fizeram as saudações de praxe, colocaram parte do papo em dia...
– Amiguinho, tem uma galega nova na cidade pior que garçom: serve a todo mundo.
– Quem é, coligado?
Quando ia responder:
“Agora, senhoras e senhores, temos a satisfação de convidar nosso prestimoso amigo Leleco para nos brindar com o som da sua voz. Leleco, por favor, cante pra nós, ilustríssimo! Estamos com saudade de ouvir o seu gogó em ação” – anuncia o apresentador do evento.
– Mostro quem é durante o show. Fique ligado nas dicas! – disse Leleco, saindo.
O cantador sobe ao palco, agradece os elogios e inicia a seresta, regada a muito saudosismo: memorável para os de mais idade e descoberta para os mais jovens.
– Isso que é música, coligado! – comenta Lazarelli, seduzido, também, pelas doses de cachaça tomadas a mais.
– É sim! – reforça o parceiro de pescaria de Lazarelli. – a mocidade precisa ouvir essas músicas.
O público se regozijava a cada interpretação. Empolgado, Leleco anuncia a próxima música:
– E essa aqui vai pro cornão daquela mesa ali! – ele fala e, corajosamente, aponta.
Incontinenti, o seu Azevedo, dono da ótica mais famosa da cidade e desposado com a galega exageradamente linda pra ser vista apenas pelos olhares míopes do comentadíssimo e solidário empreendedor, levanta-se e parte, serelepe e fagueiro, buscando a direção do cantador. Leleco, antecipando-se, posiciona o violão e o lança, num único golpe, sobre a cabeça esgalhada do pretenso agressor. O instrumento se esfacela. Os presentes entram em polvorosa. Lazarelli e o amigo não cabem em si de tanto riso.
A galega, aproximando-se do marido, esbraveja:
– Deixe de besteira, seu frouxo! Você só serve pra dar vexame!
– Estava só defendendo você, meu amor! E ainda fica contra mim?
– Vamos embora, seu...
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– Acorde, homem! Até dormindo esse homem é exagerado. Pra que essa risarada toda?
– É que eu estava sonhando...
– Sei. Sonhando com a pescaria, aposto!
– Errou, mulher. Era com o avião.
“Aquilo é que é mulher!” – pensa Lazarelli, angustiado; vira-se de lado e busca, sem sucesso, tirar da cabeça o avião “descoberto” depois da pescaria.
Crato-CE, 2 de agosto de 2011.
11h23min