Será que me serviu como lição?
Cenário : Semáforo fechado.
Personagens : Eu e um menino de rua.
Aproximei-me de um semáforo exatamente no momento em que houve a mutação do amarelo para o vermelho.
Um tanto quanto a contragosto, o que é a tônica para a grande maioria dos motoristas brasileiros e quiçá do mundo, parei já pensando na ‘aporrinhação’ que teria com aqueles segundos (ou no máximo, minutos...) que ‘perderia’ parado por ali, além de poder ter o dissabor de ter de me esquivar dos limpadores de pára-brisas, vendedores, pedintes, etc. que pululam nestas ocasiões...
De imediato notei sua aproximação...
Franzino, mal vestido e claudicante, aquela criança aproximou-se da porta de meu veículo e já senti um sobressalto temendo um ‘achaque’ como os milhares que são cometidos nos cruzamentos das vias deste nosso país.
Mesmo com o vidro fechado, seguindo rigorosamente as instruções que ouvi certa feita de um ‘assaltante de rolex’ que concedeu uma entrevista de página inteira a um jornal de grande circulação de SAMPA dizendo que, entre um veículo com os vidros fechados e um veículo com os vidros abertos, sem sombra de dúvidas, ‘assalta’ o motorista que está com os vidros abertos, senti certo receio com aquela aproximação.
Ao chegar bem próximo ao vidro do carro, de forma que pude ouvir sua voz, falou:
--- Tio, tô com fome! Será que o tio me arruma 10 centavos?
Olhei para aquela criança aparentando desnutrição e com aparência de quem há muito não sabia o que era uma boa refeição, realizei um ato anormal, mormente o estado de insegurança com o qual nos deparamos em nossas andanças em nosso dia a dia, respondi:
--- Pois bem, meu jovem! Onde vai comer com 10 centavos?
O menino olhou para mim e com um olhar sincero que há tempos eu não via nem nos olhos dos meus mais ‘chegados’ amigos, respondeu:
--- Sabe tio! Lá no boteco do Zé Galinha tem um cachorro quente com uma salsicha que ele vende por 50 centavos... Como já tenho 40, tá faltando só 10...
Embora todo o diálogo tenha transcorrido em tempo inferior ao tempo que estamos gastando com a narrativa e com a leitura dos leitores, fiquei preocupado que o semáforo abrisse e ‘chovessem’ buzinadas para que eu seguisse adiante...
Coloquei a mão no bolso e ‘saquei’ uma moeda de 50 centavos que eu havia colocado por lá devido a um troco que havia recebido momentos antes. Abri meu vidro e estendi a mão entregando a moeda ao garoto.
O garoto recolheu a moeda, olhou para ela e, antes que eu tivesse tempo de fechar novamente o vidro e sair com o carro haja vista que o semáforo já havia aberto para mim, enfiou rapidamente a mão no bolso de sua maltrapilha calça e estendeu a mão em minha direção dizendo:
--- Deus lhe pague, tio! Eis aqui os 40 centavos que eu tinha, são seus... Com a moeda que o senhor me deu já dá prá pagar o cachorro quente lá no Zé Galinha... Vá com Deus, tio!
Atônito, arranquei com o carro é só parei alguns metros adiante, quando a situação de trânsito permitiu, para limpar as lágrimas que teimavam turvar minha visão, percebendo sobre meu colo e algumas caídas ao chão, quatro moedinhas de 10 centavos, representando no ato, o que é difícil encontrar na grande maioria das pessoas com as quais convivemos no nosso dia a dia, em nossa existência como um todo: A verdade, a honestidade, o caráter e a ética!