Semana Santa
Todos se levantaram cedinho e colocaram suas melhores roupas como faziam todos os domingos. Havia escutado alguém falar sobre ramos. Não gostava muito de tal assunto, pois na altura de meus quase sete anos, era com um ramo de pêssego que minha mãe me corrigia.
Estávamos todos prontos, quando vi minha avó chegando do quintal abraçada com um feixe de folhas. Ela nos colocou em uma fila e distribuiu um galho para cada um, enquanto éramos apressados pelo meu pai:
- Anda logo, ou vamos perder os bancos.
Na igreja pequena Igreja não havia banco para todo mundo, e sempre quem chegava por último assistia toda a missa de pé.
Saímos todos em fila, cada um com um ramo na mão. Era pertinho, mas tivemos que apressar os passos, pois o sino já havia badalado mais de uma vez.
Eu e meus irmãos nos sentamos perto de minha avó e de minha madrinha. Papai e mamãe se sentaram na fileira de banco seguinte. A missa inicou e até naquele momento eu não havia entendido o motivo de estar com aquelas folhas na igreja.
- Sabe pra que esses ramos? - perguntei ao meu irmão, só um pouquinho mais velho que eu.
- Deve ser pra afugentar os bicho ruim que fugiram lá do inferno. Lembra que a madrinha disse que na quaresma todos os portões de lá ficam abertos? – respondeu, enquanto fazia uns movimentos de samurai com o galho de palmeira na mão.
Durante a missa, ficávamos brincando com os ramos. Era um tal de colocar folhinhas no ouvido do outro, cutucar, fazer cócegas, e os risinhos que acompanhavam a farra chamava atenção não só da minha mãe, como também dos vizinhos de banco, que lançavam olhares de reprovação todo o tempo. Minha avó ralhava, mas não adiantava muito. Só paramos quando fomos separados. Minha mãe nos colocou cada um em uma das pontas. Emburrada, olhei para meu irmão, ele estava prestando atenção na missa, resolvi prestar também.
Ouvi que o padre explicava toda a simbologia do Domingo de Ramos. Que em um domingo como esse, há quase dois mil anos atrás, Jesus entrou em Jerusalém, montado em um burrinho, e os seus seguidores, para saudar a sua chegada, forraram o caminho com ramos que era colhidos ali mesmo, nas margens da estrada. Que dias depois Jesus foi crucificado.
Quando saímos da igreja, me sentei em um banquinho da pracinha ali em frente, esperando a família que se confraternizava com os conhecidos e amigos na porta da missa. Balançava o que restava do meu raminho, quando minha madrinha veio se sentar comigo.
Eu era muito nova para o catecismo, vinha a missa todo domingo, mas não prestava muita atenção, o que eu conhecia de religião, era o que minha mãe, e especialmente minha madrinha me contavam.
Me lembrei que estávamos na quaresma, e o padre havia dito que nesses quarenta dias que antecedem a páscoa, deveríamos ser mais devotos. Que estava terminando a Semana das Dores, e a semana que se inicia com o Domingo de Ramos é a Semana Santa, período que tanto os adultos quanto as crianças deveriam fazer algum tipo de penitência.
-Madrinha, agora que já terminou a Semana das Dores, o que vai acontecer?
-Minha querida, os dias vão transcorrer normalmente, porém, nós tementes a Deus, devemos guardar esses dias que estão por vir com devoção e respeito. Principalmente na quinta e na sexta –feira.
- Vocês crianças não podem brincar de boneca, ficar correndo, gritando, nem brigar. Ninguém vai comer carne, nesses dias só peixe. Não pode quebrar ovo, nem matar nenhum animal. Na quinta e na sexta não vão tirar leite, nem andar a cavalo, pois não pode amarrar os animais, pois Jesus foi amarrado e judiado nesses dias que antecederam sua morte, há muitos e muitos anos atrás. Nesses dois dias, o lixo da casa não pode ser jogado fora. Não se pode trabalhar, devemos guardar o dia-santo. Vocês podem perceber que nesses dias até os passarinhos parecem nem cantar.
-Madrinha, o que a gente vai ficar fazendo o dia todo? A senhora vai fiar?
-Uma vez uma comadre minha teimou e fiou o dia todo na sexta-feira da paixão, quando ela acordou de noite, ouviu o barulho da roda dela fiando sozinha!
-Credo, e o que ela fez?
-Chamou o marido dela e rezaram o Credo até o barulho parar. Ela nunca mais quis fiar.
-Nossa Senhora!!! É mesmo verdade isso?
-Temos o ano inteiro para fazer o que queremos, será que não podemos guardar uns dias para Deus?
-É verdade! Não pode mesmo bater em ninguém?Nem nos bichos?
-Não.
-Papai não pode andar no cavalo dele, então. E a mamãe não pode bater na gente?
-Bem, a respeito disso, s e alguma criança merecer uma surra nesses dias, os pais deixam para dar o corretivo no sábado de aleluia. Tiram a aleluia da mulecada no sábado de manhã!
-Eu heim, vou ficar quietinha para ninguém ter que tirar a Aleluia de mim! Mas se meu irmão me bater. Ele sempre me bate, a senhora tem que falar com ele...
-Já ouvi histórias de gente que teve a mão seca por ter batido em alguém nesses dias.
-Nossa!!! Depois dessa, só vou ficar no quarto brincando de boneca, assim não corro risco.
-Oh minha filha! Boneca não pode, morro de medo de acontecer como aconteceu com a filha da Maria da Tia Preta.
-O que aconteceu com ela?
-Ela teimou e foi brincar de boneca, quando viu, uma boneca saiu caminhando sozinha...
-Meu Deus??!! É Mesmo verdade? A senhora já viu alguma coisa?
-Nunca vi, mas conheço gente que viu, e a sua avó me contava essas histórias quando eu era do seu tamanho.
-Todo mundo obedece, né madrinha.
-É, desde que me entendo por gente, na nossa família todos sempre guardaram os dias-santos.
-Eu heim! – disse isso e ouvi meu pai chamando para irmos para casa.
Passei o resto da semana dormindo no canto da minha mãe, quando finalmente chegou sábado, a aleluia não me foi tirada, Graças a Deus!