CERCAS MINEIRAS DE MINHA INFÂNCIA

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De mandacaru à taquara rachada, elas faziam divisas apenas para constar que estavam ali.

Davam continuidade aos quintais, tornando toda a vizinhança numa grande família.

Quintais que uniam Silvas , Solzas, Ferreiras, Teixeiras, Nogueiras e quem mais adviesse ali.

E a gente... meninos, de todas as cores e todas encardidas e pernas marcadas de cicatrizes, esfoliações que se curavam sozinhas ou a base de mertiolate, saltávamos por entre árvores, fumávamos cigarrinho de cipó de chuchu, porque chuchu e pé couve não faltavam em quintal nenhum e ainda fazíamos das folhas das bananeiras gangorras que se projetavam gingantemente ribanceira a baixo.

Lembro-me o dia que nessa brincadeira, minha irmã foi sapecada por uma taturana cachorrinha, gritou horas e horas até ser benzida pelo vizinho curandeiro, que alisou uma pedra em cruz com leite acompanhada de rezas, muita reza.

Para outras coisas um benzedor também tava ali, os pequenininhos era benzidos de quebranto, vento virado, aguamento.

Me lembro da dona Santinha , que dizia, reza não podia ser agradecida tinha que assim dizer: Deus lhe pague.

Enquanto ela benzia a gente se perdia olhando a madeira carcomida na janela, a pintura de caiação que apresentava figuras na parede pelas marcas da brocha, titicas de galinha pela casa que por vezes achavam a cancelinhas aberta. E o teto, há o teto era de esteira trançada no bambu, porque laje ainda era coisa rara.

Mas lá em casa era diferente, apesar de ter tramelas na porta,a arquitetura tinha nome, aprendi muito tempo depois, era o Art déco, as fachadas mais livres de adornos mas com certa organização simétrica, ostentava platibandas a esconder o telhado frontal, e lá no alto tinha um nicho que era pra colocar uma santa ,e que nunca foi colocada mediante a pouca definição religiosa de minha mãe. O muro de frente era feito de concreto armado em formas ,que criam desenhos vazados eram alinhados em placas ,alternados por colunas ,e eram baixinhos, por onde se viam os jardins, flores em jardineiras com desenhos geométricos, lá minha mãe semeava cravos, cravinas, dálias,bambuzinhos, maria sem vergonha que tanto amei e hoje sei chama-se Empatiens.

Nessa casa, o piso, açoalho de peroba do campo, brilhava lindamente sob cera em pasta e lustrado diariamente a escovão manual sobre pedaço de lã de roupa velha, as varandas /cozinhas e banheiros eram revestidas com ladrilhos hidráulicos que também eram lavados diariamente e encerados casualmente.

Mas dentro de casa não era lugar de menino, assim nós, a meninada perambulava por entre gretas das cercas, pelas mesmas gretas por onde fugiam as galinhas. Tinha vizinho que as devolvia e tinham aqueles que minha mãe dizia... Essa não volta!

-Então galinha era comida de domingo, era depenada de véspera e menino que tinha pena não podia ficar por perto senão fazia a galinha agonizar até a morte. Ainda me lembro da mãe à gritar, meio impaciente a limpar a faca na saia, e a gente corria porque xingamento de mãe era tudo que valia.

Pescoço cortado a galinha era mergulhada em água fervente pra amolecer as penas, dessa parte eu gostava essa limpeza ficava por conta da gente. Mulher, gosta dessas coisas ne ? puxar pena, tirar cravo,escarafunchar espinhas,mas... voltando lá.

Galinha não era bicho de estimação era serventia da casa, e cachorro ficava da porta da cozinha pra fora e outrora amarrados por correntes que circulavam pelo terreiro a fora. Estes sim eram testemunhas da molecada, meninos de todas as idades até os grandinhos adolescentes vinham brincar de venda e doutor.

Era vida livre, claro não era livre de afazeres domésticos, porque naquela época cada um tinha sua função, diziam os adultos:_ era pra menino ir acostumando com a lida e não ficar preguiçoso, então adulto ficava muito a vontade em ser chefe, mandava criança pra tudo.

Como hierarquia aprende-se fácil então menino maior mandava em menino menor, era a força do maioral a dispor das vantagens. Meninos maiores também faziam coisas mais difíceis como subir nos galhos mais alto dos pés de frutas onde primeiro se fartavam depois jogavam pra encher o embornal dos moleques lá de baixo, que tinham toda a humildade em aguardar sua vez. E tinha toda variedade de fruta até ingá tinha lá

Então... Com pé de fruta ou não, para cada menino há sempre um pedacinho de terra que a gente chama de quintal, e o meu era batido, terra socada pelo uso e varrido com vassouras feitas do mato.

Hoje, outras épocas... Se quiser conhecer galinha viva tem que acessar internet. Mas, todavia, continuo com pena porque pela internet, não dá... Não dá pra acessar o toque e o cheiro correr atrás delas e nem ser acordado por elas.