RIO DE JANEIRO: UMA VIAGEM AO PASSADO – PARTE II
Enquanto o avião “embicava” num ângulo de 180º, eu fui vendo, ainda lá ao longe – e de cima para baixo –, a pista de pouso, dentro do “braço de mar”, do Aeroporto Santos Dumont.
Ri, para mim mesmo, pois lembrei de que, lá do alto, o Cristo Redentor abençoa a todos aqueles que chegam à Cidade Maravilhosa através daquela pista. Acredito que Ele, o Cristo, a todo instante está “de olho” no que ocorre lá embaixo.
Finalmente, o avião pousou e, imediatamente, fez o reverso de suas turbinas e freou violentamente. Nesta hora, uma senhora, para tirar a tensão que dá pousar no Santos Dumont (imagino eu), disse alegremente: “Pisa no freio motorista!” – acompanhado de uma sonora gargalhada. Todos riram da espiritualidade travessa daquela vovó (talvez, por baixo, uns “oitentinha”) e, com isso, a tensão foi embora.
Do Aeroporto até o Hotel Regina, no Flamengo (eita coisa ruim danada! – eu, que sou vascaíno, tive que ficar no bairro do maior rival), pude notar as mudanças que o tempo faz no espaço físico, bem como, no cotidiano das pessoas: as ruas estavam modificadas, quase todas com mãos duplicadas (para facilitar o fluxo crescente de carros) e os acessos estavam todos bem sinalizados. Percebi, no carioca, mais educação e menos malandragem. Sinal dos tempos!
Já instalado no quarto do hotel, abri a janela e respirei o ar meio poluído misturado com a brisa que assoprava do mar e senti, em meu corpo, um leve arrepiamento, por lembrar cenas passageiras de tempos atrás.
Final dos anos setenta. Um caminhão desce a Serra de Petrópolis. Lá embaixo, o bairro de Ramos anuncia a chegada ao Rio. O caminhoneiro, ainda imberbe, mas carregando a fama de quem roda na estrada, conhece o calor da noite carioca e é recompensado, pela árdua vida que leva, pela fina flor que seduz, e se perde em fantasias.
De volta ao presente, à noite, eu resolvi dar uma volta por Copacabana. Desci perto do Posto 6. Tive os meus motivos. Lá, eu escolhi um restaurante – desses que, infelizmente, invadem o espaço público fazendo um “puxadinho” em frente a sua matriz. Depois que eu fiz o meu pedido, finalmente olhei para o céu de Copacabana. A lua estava lá e o brilho das estrelas deixava ainda mais bonita aquela parte do Rio. Enquanto saboreava o meu aperitivo, lembrei-me de Rubem Braga que, naquele mesmo local, tempos atrás, escreveu “O Vento que Vinha Trazendo a Lua”, uma de suas mais lindas crônicas poema-em-prosa que eu já li. E ao olhar, justamente, para o mar, percebi a repetição do momento mágico do mestre que disse: “Eu estava no apartamento de um amigo, no Posto 6, e quando cheguei à janela vi a lua. Já havia nascido toda e subido um pouco sobre o horizonte marinho, avermelhada. Meu amigo fora lá dentro buscar alguma coisa e eu ficara ali, sozinho, naquela janela, presenciando a ascensão da lua cheia. Havia certamente todos os ruídos da cidade lá embaixo (...) mas a presença da lua fazia uma espécie de silêncio superior de majestade plácida; era como se Copacabana regressasse ao seu antigamente sem casas, talvez apenas alguma cabana de índio humilde entre os cajueiros e pitangueiras e árvores de mangue...”
Não tive a pretensão de recriar a cena que Rubem Braga eternizou em sua crônica, mas fechei os olhos por um instante e, como por milagre, vi a lua lá no alto, lindamente vestida de branco azulado, acenando para o mar de areias alvas, sendo correspondida, em seu cumprimento, pelas leves ondas da noite, que desfilavam, mansamente, diante dos olhos de poetas, enamorados e plebeus. Estes se aproveitavam da brisa noturna para se refrescarem, namorarem e fazerem seus versos de culto à natureza, naquele momento ímpar, tendo apenas como testemunhas, os coqueiros que aplaudiam a beleza, ainda quase imaculada, da praia que lhes servia de inspiração e cumplicidade.
Foram segundos de perfeita sintonia com o universo. A lua, lá do alto – porém quase tocando as águas da Baía de Guanabara –, continuava a despejar encantos. Compreendi, naquele momento, porque o sol sempre fiscaliza, todas as tardinhas, a sua chegada: é porque ela é “amostrada” em sua beleza e não esconde, de ninguém, os seus encantos naturais. Aí, o sol chega primeiro, passa o dia “pastorando” o local e somente sai no exato momento em que ele percebe que ela chega sozinha. Talvez, se ela, quando viesse, tivesse mais alguém a esperá-la, o sol se recusasse a ir embora. É muita beleza num corpo só!
Resolvi voltar à realidade que, apesar de ser um pouco diferente daquela do rápido devaneio, ainda conservava a beleza e o charme que só uma cidade como o Rio de Janeiro consegue ter.
Olhei para as minhas companhias. Elas estavam maravilhadas também. O encanto deste lugar não se quebra com o passar do tempo, pensei. No caminho de volta, enquanto o táxi desfilava pela orla da praia famosa, eu olhei para cima, na direção em que ia, e vi, altaneiro, o Corcovado. Sorri, pois me lembrei que, se olhasse para trás, veria o Pão de Açúcar e, isso, de certa forma, me fez recordar alguns minutos atrás, quando refleti sobre a lua e o sol, com uma diferença: Corcovado e Pão de Açúcar estão sempre se olhando, sem que haja um dia ou uma noite para separá-los...
Enquanto o avião “embicava” num ângulo de 180º, eu fui vendo, ainda lá ao longe – e de cima para baixo –, a pista de pouso, dentro do “braço de mar”, do Aeroporto Santos Dumont.
Ri, para mim mesmo, pois lembrei de que, lá do alto, o Cristo Redentor abençoa a todos aqueles que chegam à Cidade Maravilhosa através daquela pista. Acredito que Ele, o Cristo, a todo instante está “de olho” no que ocorre lá embaixo.
Finalmente, o avião pousou e, imediatamente, fez o reverso de suas turbinas e freou violentamente. Nesta hora, uma senhora, para tirar a tensão que dá pousar no Santos Dumont (imagino eu), disse alegremente: “Pisa no freio motorista!” – acompanhado de uma sonora gargalhada. Todos riram da espiritualidade travessa daquela vovó (talvez, por baixo, uns “oitentinha”) e, com isso, a tensão foi embora.
Do Aeroporto até o Hotel Regina, no Flamengo (eita coisa ruim danada! – eu, que sou vascaíno, tive que ficar no bairro do maior rival), pude notar as mudanças que o tempo faz no espaço físico, bem como, no cotidiano das pessoas: as ruas estavam modificadas, quase todas com mãos duplicadas (para facilitar o fluxo crescente de carros) e os acessos estavam todos bem sinalizados. Percebi, no carioca, mais educação e menos malandragem. Sinal dos tempos!
Já instalado no quarto do hotel, abri a janela e respirei o ar meio poluído misturado com a brisa que assoprava do mar e senti, em meu corpo, um leve arrepiamento, por lembrar cenas passageiras de tempos atrás.
Final dos anos setenta. Um caminhão desce a Serra de Petrópolis. Lá embaixo, o bairro de Ramos anuncia a chegada ao Rio. O caminhoneiro, ainda imberbe, mas carregando a fama de quem roda na estrada, conhece o calor da noite carioca e é recompensado, pela árdua vida que leva, pela fina flor que seduz, e se perde em fantasias.
De volta ao presente, à noite, eu resolvi dar uma volta por Copacabana. Desci perto do Posto 6. Tive os meus motivos. Lá, eu escolhi um restaurante – desses que, infelizmente, invadem o espaço público fazendo um “puxadinho” em frente a sua matriz. Depois que eu fiz o meu pedido, finalmente olhei para o céu de Copacabana. A lua estava lá e o brilho das estrelas deixava ainda mais bonita aquela parte do Rio. Enquanto saboreava o meu aperitivo, lembrei-me de Rubem Braga que, naquele mesmo local, tempos atrás, escreveu “O Vento que Vinha Trazendo a Lua”, uma de suas mais lindas crônicas poema-em-prosa que eu já li. E ao olhar, justamente, para o mar, percebi a repetição do momento mágico do mestre que disse: “Eu estava no apartamento de um amigo, no Posto 6, e quando cheguei à janela vi a lua. Já havia nascido toda e subido um pouco sobre o horizonte marinho, avermelhada. Meu amigo fora lá dentro buscar alguma coisa e eu ficara ali, sozinho, naquela janela, presenciando a ascensão da lua cheia. Havia certamente todos os ruídos da cidade lá embaixo (...) mas a presença da lua fazia uma espécie de silêncio superior de majestade plácida; era como se Copacabana regressasse ao seu antigamente sem casas, talvez apenas alguma cabana de índio humilde entre os cajueiros e pitangueiras e árvores de mangue...”
Não tive a pretensão de recriar a cena que Rubem Braga eternizou em sua crônica, mas fechei os olhos por um instante e, como por milagre, vi a lua lá no alto, lindamente vestida de branco azulado, acenando para o mar de areias alvas, sendo correspondida, em seu cumprimento, pelas leves ondas da noite, que desfilavam, mansamente, diante dos olhos de poetas, enamorados e plebeus. Estes se aproveitavam da brisa noturna para se refrescarem, namorarem e fazerem seus versos de culto à natureza, naquele momento ímpar, tendo apenas como testemunhas, os coqueiros que aplaudiam a beleza, ainda quase imaculada, da praia que lhes servia de inspiração e cumplicidade.
Foram segundos de perfeita sintonia com o universo. A lua, lá do alto – porém quase tocando as águas da Baía de Guanabara –, continuava a despejar encantos. Compreendi, naquele momento, porque o sol sempre fiscaliza, todas as tardinhas, a sua chegada: é porque ela é “amostrada” em sua beleza e não esconde, de ninguém, os seus encantos naturais. Aí, o sol chega primeiro, passa o dia “pastorando” o local e somente sai no exato momento em que ele percebe que ela chega sozinha. Talvez, se ela, quando viesse, tivesse mais alguém a esperá-la, o sol se recusasse a ir embora. É muita beleza num corpo só!
Resolvi voltar à realidade que, apesar de ser um pouco diferente daquela do rápido devaneio, ainda conservava a beleza e o charme que só uma cidade como o Rio de Janeiro consegue ter.
Olhei para as minhas companhias. Elas estavam maravilhadas também. O encanto deste lugar não se quebra com o passar do tempo, pensei. No caminho de volta, enquanto o táxi desfilava pela orla da praia famosa, eu olhei para cima, na direção em que ia, e vi, altaneiro, o Corcovado. Sorri, pois me lembrei que, se olhasse para trás, veria o Pão de Açúcar e, isso, de certa forma, me fez recordar alguns minutos atrás, quando refleti sobre a lua e o sol, com uma diferença: Corcovado e Pão de Açúcar estão sempre se olhando, sem que haja um dia ou uma noite para separá-los...
Continua...