Palavras
PALAVRAS
Era uma tarde cinza de inverno. Pela janela do quarto eu admirava o horizonte triste ao longe. E com a cabeça transbordando ansiedade, esperava uma ligação. Eu tinha certeza que Fernanda me ligaria mesmo depois do que aconteceu. Tivemos uma discussão terrível na noite anterior. Brigamos por uma bobagem. Ciúmes, como sempre. Mas desta feita a briga foi feia. Falamos tudo que não precisava ser dito. Remoemos histórias antigas. Coisas que já haviam sido enterradas há tempos. Trocamos muitas ofensas desnecessárias, até que por fim ela começou a chorar. Chorou muito. E eu não sabia o que fazer. Fiquei paralisado. Ela nunca tinha chorado antes nas nossas brigas.
Depois de certo tempo que estávamos em silêncio, ela se levantou do sofá, me deu um beijo no rosto, afagou meus cabelos e disse que precisava de um tempo pra pensar. Pensar se realmente valia à pena continuarmos juntos já que não confiávamos um no outro. Antes de sair, olhou para trás, suspirou e me disse; “te amo muito e pra sempre vou te amar”, eu disse alguma besteira qualquer e ela se foi.
Já se passava das seis da noite do outro dia e ela ainda não havia me ligado. Mas eu estava certo de que me ligaria. Tinha certeza de que, por mais que tínhamos forçado a barra de mais na noite anterior, nós nos amávamos e o amor supera tudo. Eu já havia pensado em tudo que ia dizer quando o telefone tocasse. Me faria de difícil. Faria com que ela implorasse pra que a gente esquece tudo e recomeçasse. Apesar de que eu já estava desesperado por ter passado um dia inteiro sem notícias dela, ainda era orgulhoso de mais.
Nossas brigas haviam se tornado freqüentes nos últimos tempos. Brigávamos por qualquer bobagem. Talvez o tempo tivesse nos mal-acostumado de mais. Mas o certo é que necessitávamos um do outro, e isso bastava.
Seis e trinta daquela noite o telefone toca. Meu coração disparou. Meu sorriso abriu espontâneo. Logo mudei de idéia em relação a me fazer de duro na queda. Eu só pensava em dizer te amo com todas as letras. Eu tinha certeza de que era Fernanda.
Atendi. Uma voz masculina do outro lado da linha me surpreendeu. Era Marcos, irmão mais velho de Fernanda. Com a voz embargada, em meio a soluços me disse que Fernanda havia batido o carro na volta do trabalho. De frente com uma caminhonete. Teve poli traumatismo. Morreu no local.
Morreu no local... Essa frase ficou latejando em minha cabeça por um tempo que não sei definir. Desabei. Chorei. Chorei desesperadamente feito uma criança. Adormeci em lágrimas e nem vi o dia nascer.
Não fui homem suficiente pra ir ao velório. Eu sabia que não poderia suportar.
Até hoje, dois anos depois da tragédia ainda sofro. Nunca conseguirei esquecê-la. Seus olhos lindos, seu jeito carinhoso, todos os momentos maravilhosos que passamos juntos... Mas o pior de tudo é lembrar todos os dias da imensidade de palavras que eu poderia ter dito a ela depois da nossa última briga, coisas que meu coração queira dizer, como, “me perdoa”, “ eu não queria te magoar” , “ te amo”....Mas a frase que saiu da minha boca foi como o mais afiado aço de uma navalha;
“desapareça da minha vida pra sempre”…
Às vezes penso que ela queria simplesmente atender meu pedido.
Paulinho Souza