Centenário do Nelson Rodrigues
Meus amigos, quero homenagear o centenário de Nelson Rodrigues, que este ano estaria fazendo cem anos, estivesse ainda entre nós.
Todos sabem que, bem jovem, não saía de casa sem ler o nosso maior dramaturgo, por ele defender, com unhas e dentes, o Brasil e o brasileiro. Pra quem ainda não sabe, vou me repetir: tenho esse mesmo sentimento, o amor incondicional pelo Brasil e gosto do brasileiro, com todos os seus defeitos e, em especial, o carioca.
Temos mesmo essa dificuldade de nos enxergar como brasileiros e metemos o “pau”, sempre que a oportunidade aparece, no Brasil, que não tem nada a ver com a nossa problemática. Fica a impressão que o brasileiro não gosta do brasileiro. O Nelson dizia que o brasileiro era um feriado. Eu, modestamente, transferiria esse pensamento para o carioca. O carioca sim é um feriado. Essa frase não caberia num paulista, por exemplo. E para lembrar mais uma do Nelson, o carioca diria que “a pior forma de solidão é a companhia de um paulista”. Antes que os paulistas me apedrejem, devo explicar essa frase. O Nelson não estava falando mal dos paulistas, ele se referia a uma senhora infeliz, por sinal carioca, casada com um paulista, que simplesmente não conversava com a esposa, daí a frase. Claro, o carioca, com seu espírito galhofeiro, iria tirar proveito dessa frase a vida toda, mas é mera brincadeira. Estou me recordando de outro pensamento genial do escritor: “O adulto não existe. O homem é um menino perene”. E, com as honrosas exceções, essa frase sempre se encaixou na minha visão de rapaz ao ver o carioca, sempre de bem com a vida e sabendo botar pra escanteio os dramalhões que essa mesma vida nos apronta. Só um gênio pode dizer isso, que o adulto não existe, indo contra toda a ciência psicológica.
O carioca do meu tempo era muito volúvel. Como dizia o Nelson Rodrigues, os seus amores duravam mais ou menos 21 dias. Era isso mesmo. O cara estava de namoro firme, digamos, pelo décimo quinto dia. Resolve ir pra casa, depois de um dia inteiro de trabalho. Não sei se já disse. O cara morava em Realengo. Pega o trem na Central do Brasil e começa a se encantar com uma mulata escultural de olhos verdes. Resultado: ele solta em Cascadura, já agarrado na mulata. Esse nem chegou nos 21 dias. A fama do carioca vem dos seus adoráveis defeitos. Não sei se é a aragem do Rio de Janeiro, aquela brisa marítima constante, aquele gosto de sal no ar e na boca. Esse sal da vida provoca mesmo uns espasmos sensuais incontroláveis. Eu sei o que é isso...
Mesmo com essa volubilidade toda, namorando duas ou três ao mesmo tempo, dando nó em pingo d’água, o carioca conseguia se casar. Recordo-me que minha turma gostava de apostar quanto tempo o casamento ia durar, isso antes do amigo casar. Sou do tempo do gostoso romantismo. Os jovens se apaixonavam mesmo, embora volúveis. Conheci muitos Romeus e Julietas e havia até pactos de morte. Estou dizendo isso porque noto hoje uma frieza, uma falta de sal na juventude, que parece não acreditar mais no amor, importando o que de pior existe lá de fora, os “estrangeirismos” que nada têm a ver com nossa índole. Não vejo mais um jovem chorar no enterro de um familiar seu. Cada um mais distante que o outro. Até fisicamente o contato ficou difícil. Vejam como dançam hoje os mais novos: balançando o corpo, um de frente para o outro, sem se pegarem. Não há mais aquela pegada... Sobrou apenas o beijo coletivo, um verdadeiro horror. Que nojo!!! A individualidade desapareceu. Não sei se já alertei os meus leitores que estou tentando escrever esta crônica ao estilo dele. Assim, minha lembrança fica mais gostosa e alegre.
Dizem que a tecnologia pode transformar toda uma geração. Fico pensando no computador. É possível que essa quantidade enorme de senhas nas nossas vidas tenha acabado por retirar a intimidade boa entre os seres humanos.
Ando acabrunhado com isso. E para piorar as coisas vejo o primeiro mundo extremamente desumanizado. – Mas como? - dirá o amigo horrorizado! - Sim, repetirei! O primeiro mundo virou uma horrenda uniformidade, até a paisagem, como diria o Nelson, é toda igual. Calor humano, nem pensar... Só a idolatria do politicamente correto. Vão conseguir atingir um tédio fatal. Acho que está aí a explicação pra tanto suicídio entre os Europeus do Norte, os mais “adiantados”. Uma padronização cinzenta capaz de deprimir o mais otimista dos homens.
Agora, meus amigos e amigas vão entender a minha homenagem ao polêmico Nelson Rodrigues, que não foi bem entendido em vida. Encerro com a visão lúcida de Caco Coelho, que montou a peça famosa “Vestido de Noiva”, iniciando a temporada do centenário do Nelson, no Rio de Janeiro, neste mês de março.
Elucida o Diretor de teatro que a única razão estética da obra de Nelson era mostrar a nossa brasilidade. O lugar único do país Brasil. E eu diria que o Nelson lutou para que o brasileiro se reconhecesse como brasileiro, usando o futebol como metáfora. Os intelectuais não o entenderam, daí ele sempre dizer, com muita graça, que nossos escritores jamais aprenderiam cobrar um reles lateral.
Nelson sempre quis libertar o brasileiro da sua falta de amor próprio, o que não acontece com os outros povos, que se vangloriam de suas nacionalidades, nem sempre tão puras ou boas como eles pensam. Por favor, entendam, não se trata de ufanismo bobo, mesmo porque não é da índole do brasileiro querer ser melhor que ninguém. Queremos somar com os outros povos, mas afirmando saudavelmente o melhor que temos como um povo que pode contribuir muito para um mundo melhor.
Encerro esta crônica dando o meu abraço emocionado no Nelson, afirmando minha brasilidade. O projeto de vida salvador virá, certamente, desse Brasil generoso, onde todos os outros povos se encontram e se surpreendem com a nossa acolhida. Mas para isso acontecer é preciso antes afirmar nossa brasilidade, acreditar nela, através do verdadeiro amor. O Brasil é muito maior do que imaginamos.
Cabe bem lembrar o português Fernando Pessoa: “Porque sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura”.