A Tristeza de mãos dadas com a intolerância

A Tristeza de mãos dadas com a intolerância.

(*) Texto de Aparecido Raimundo de Souza

Minha filha Amanda, logo cedo, me envia um e-mail lacônico com a seguinte mensagem:

“PAI, COMPRA O JORNAL DE HOJE. SUA FILHA ESTÁ NELE!”

Corro apressado, à cata da referida publicação, na banca de revistas mais próxima de casa. Não tenho sorte. Vejo-me obrigado a percorrer outros pontos onde o periódico é obrigatoriamente distribuído todas as manhãs.

Lembro, com tristeza, neste sábado, 24 de março, a principal matéria estampada deverá fazer referencia ao saudoso CHICO ANÍSIO, falecido no dia de ontem, vítima de falência múltipla dos órgãos, decorrente de choque séptico causado por infecção pulmonar.

Apesar do passamento desse grande gênio do nosso humor, seus personagens inesquecíveis e bordões divertidos, meu foco é a Amanda. O porquê de estar no jornal. Será que teve a honra de ser contemplada por uma redação escrita em torno do velho nordestino Francisco nascido em 12 de abril de 1931, em Maranguape, no Ceará e nela ter se lembrado de Pantaleão, Salomé, Justo Veríssimo, Bento Carneiro, Haroldo, Tim Tones, Santelmo, Painho, Azambuja, Professor Raimundo e tantos mais?

A agonia da busca acaba na quinta visita. Consigo um exemplar no posto de gasolina. Folheio atordoado, antes mesmo de pagar pela gasetilha, com uma pontinha de orgulho no coração, em saber que a minha menina está ali, imagem impressa em algum lugar. Mas aonde? Em que página? Qual o assunto?

Finalmente, o “salso elemento” pula diante dos meus olhos. Ei-la, no “CADERNO CIDADES”, à página quatro. Vestida com o uniforme da escola estadual, acomodada dentro de uma ambulância da rede pública, recebendo atendimento por ter sido intoxicada com mais vinte coleguinhas de classe, em face das salas de aula do estabelecimento de ensino serem cobertas com telhas improvisadas de PVC.

Dos males o pior! Vejo em foto nítida e sem retoques, a minha criança inocente, mercê, como outras, do descaso, após ter desmaiado, com uma máscara de oxigênio sobre o nariz. Não deixo de ficar alegre. Saber que ela está bem, que nada ocorreu de grave, graças a Deus...

Todavia, com meus botões, amargo a insatisfação pelas propagandas enganosas do Senhor Prefeito da cidade onde ela mora (a meu ver um crápula da pior espécie), seus anúncios mentirosos em horários nobres na televisão de obras eleitoreiras e faraônicas, e a quase tragédia, passada a mídia local, maquiada, pintada de “bonita”, para que o Poder Público não seja, ou não se veja, de nenhuma forma, manchado ou maculado, “a depois” pela execração do sofrido Zé povinho.

Entristeço-me sobremaneira, pelas falcatruas, que não vem à tona, me emputeço pelos técnicos da Vigilância Sanitária e pela galera da Vigilância Epidemiológica, bem ainda, me aflijo com a Superintendente em Saúde local que nada fez. É fato notório que essa turma de desocupados mama nas tetas da gorda vaquinha, e, pior, hiberna à sombra dos desgraçados e oprimidos que os mantém lá num enorme cabide de empregos. Vive essa gentalha, como parasitas, de braços cruzados, a espera de um desastre de proporções catastróficas, para, então, entrar em ação e mostrar a cara, oportunidade em que aproveitarão para latir aos quatro cantos que existem e são reais dentro de um mundo ilógico.

Lado outro, firmar compromisso de que são de carne e osso, que estão lá e trabalham ferrenhamente em prol da comunidade. Pura balela, minha gente. Ou melhor, pura sacanagem!...

As vinte crianças que aparecem na reportagem foram intoxicadas por vazamento de gás. “Todas, sem exceção - segundo uma médica que não quis se identificar (obviamente por medo de perder o cargozinho que exerce) -, necessitarão beber muita água para tirar ou expelir o gás do sangue”.

Por esse pequeno exposto, deprimo-me, abato-me, o coração apertado. Vinte inocentes crianças, acometidas por inalação de gás e, em conseqüência, com mal-estar súbito, em decorrência, não do calor extremo causado pelas telhas de PVC, mas pelas mentiras passadas a imprensa, pelos artifícios, pelas fraudes, e pelos logros visando burlar a boa fé do povo simples, notadamente do eleitor desavisado, que amanhã (apesar da sujeira) continuará com as vistas tampadas, dando seu voto de confiança a uma cambulhada de bandidos e vagabundos da pior espécie.

“PAI, COMPRA O JORNAL DE HOJE. SUA FILHA ESTÁ NELE!”.

Amanda apareceu no jornal. Por uma boa causa, apesar da condição pouco ortodoxa da reportagem. Porém, procurarei engolir a situação pelo lado do sentido moral, aquele do vínculo afetivo atrelado a solidariedade às crianças que se viram às portas desse incidente aparentemente sem importância. Lembrando, em tempo, que a coisa poderia ter sido muito mais extensa e que, por pouco, não fugiu ao controle. Vale, pois, a reciprocidade pelo acontecido, e, outrossim, pela lembrança ao Chico, “usque” a infelicidade da sua viagem sem volta, que deve, apesar dos pesares ser eterna em todos nós.

(*) Aparecido Raimundo de Souza, 59 anos, é jornalista.

Aparecidoescritor
Enviado por Aparecidoescritor em 24/03/2012
Código do texto: T3573230