Cabaré em chamas



     Os cabarés estavam entre as grandes atrações das noites boêmias de Salvador, lá pelos anos 1950. Quem viveu aquelas noites, sabe bem disso.
     A Salvador desses anos era uma cidade tranquila, doce, habitável. Pouca violência. Quase não havia tóxicos. Uma maconhazinha discreta, e assim mesmo no chamado "baixo meretrício". 
     A maldita cocaína ainda não era muito conhecida,  e, como hoje, negociada a céu aberto.
     De repente uma briguinha aqui, uma escaramuça mais séria ali, mas tudo terminava numa boa, com os briguentos dando vivas ao seu Ba-hê-a e ao seu Vi-to-rinha.
     A turma que frequentava os cabarés da cidade gostavam mesmo era de uma cervejinha estupidamente gelada, de um cuba libre reforçado, e, principalmente, de uma puta que lhe preenchesse a prolongada noite de farra.
     Os boêmios, na sua maioria, se conheciam e se respeitavam; até trocavam informações sobre esta ou aquela mulher com a qual costumavam se deitar.
     As informações trocadas, garantiam ao companheiro de patuscada uma cama maravilhosa; sem sobressaltos.
     Nos salões dos cabarés, bailava-se ao som de chorosos tangos e de amáveis boleros.
     Existiam cabarés para todos os níveis sociais e econômicos.
     Os menos apatacados divertiam-se, claro, nos bordeis mais modestos, onde as mulheres não chegavam a seduzir, logo ao primeiro olhar.
     Os que os frequentavam, garantiam que elas, na simplicidade de suas vidas, eram "profissionais" do melhor quilate.
     Os cabarés dos bafejados pela sorte deixavam a gente com água na boca.
Aquele luxo!
     Mulheres detentoras de charme e de invejável beleza povoavam seus salões, sob as vistas da cafetina escolada e exigente.
     Para as proxenetas, essas "meninas" tinham que acariciar seus eventuais parceiros, ainda que os detestassem.  
     Fazia parte do drama de cada uma delas.
     A grana era o que contava. A casa não podia fechar a noite no prejuízo. Para que não acontecesse, vendiam-se mentirosos carinhos e apressados coitos a peso de ouro.
     Conheci donos de roças de cacau (de setenta a oitenta mil arroubas) que, numa única noitada, gastavam, com essas mulheres, mais do dobro dos vencimentos que à época me eram pagos, como funcionário público graduado. 
     Ora, por que censurá-los se eles podiam custear suas noites de prazeres? 
     No meu canto, eu pedia uma dose de rum merino com coca-cola, gelo e limão, e ficava a admirá-los; sabendo, diante mão, que as nobres "damas" que os acompanhavam nunca chegariam pro me bico.

     Os cabarés desapareceram, faz algum tempo. Ninguém mais os procurava. 
     A rapaziada de hoje não precisa dos bordeis para satisfazerem seus apetites sexuais. 
     Satisfazem-nos "ficando" com suas namoradinhas, não raro com a aquiescência e compreensão de seus pais, forçados, muitas vezes, a evoluírem.
-  "Se reciclem, velhos!"
     Repito o que já disse em outro lugar, tratando desse assunto: os jovens não precisam mais buscar nos quartos dos prostíbulos o último entretenimento dos seus fins de noite.

     Mas foi um acontecimento lamentável, ocorrido nesta semana, que me levou a ressuscitar essas relembranças
     Vi, pela televisão, um casarão onde funcionou um alegre prostíbulo de Salvador, em chamas. Famosíssimo!
     Nos anos 1950-60, casarões centenários, na ladeira da montanha, abrigavam três famosos cabarés de Salvador, identificados pelos números de suas portas - 63, 65 e 67. 
     Essa ladeira liga a cidade alta à cidade baixa e vice-versa.  Ela é, portanto, muito importante para o sistema viário de Salvador.
     Acolhendo, nos últimos tempos, meretrizes pauperrimas e sem sorte, esses centenários casarões estão degradados. É visível e revoltante o estado de completo abandono em que eles se encontram. 
     Mais cedo ou mais tarde eles cairão!

      Pelo telefone, amigos, velhos patuscos, me disseram que fora o 63, ou o cabaré meia-três, como era mundialmente conhecido, que pegara fogo. 
     Outros disseram que não, mas o 65.
      E mais outros juraram que fora o 67 que desaparecera do mapa. 
      
     Para nós saudosistas, pouco importa se o casarão consumido pelo sacana do incendio tenha sido o meia-três, ou meia-cinco, ou o meia-sete.
     Seja como for, sob as cinzas daquele que queimou ficará sepultada, para sempre, a história de um querido e respeitado templo da orgia noturna de Salvador.
     Aqueles velhos cabarés! Que a tantos acolheu e alegrou, e que, como eu, vivem com saudade do passado...  
       
    
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 23/03/2012
Reeditado em 07/12/2020
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