_Gol de placa

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Se fiquei surpreso com a recente outorga da medalha Machado de Assis ao nosso ex-craque de futebol Ronaldinho Gaúcho? Não. Afinal de contas quem é ou quem foram Machado de Assis e José Lins do Rego? Esses dois caras fizeram o quê? Ainda estão vivos?

... Mas Ronaldinho Gaúcho, esse, sim, é o cara! Ele junta multidões – alguém aí já saiu de casa para assistir a algum jogo onde calçavam chuteiras Machado de Assis ou José Lins do Rego? Aposto que não! Eles podem até ter batido um bolão, mas e daí? Aposto que muitos de nós sequer sabemos informar sem titubear se jogam ou jogaram num mesmo time. Confesso que não me recordo também. Alguém ajuda aí, por favor!

O problema é que nós, simples mortais, temos dificuldades para entender as mentes de quem pensa melhor que a gente... O Ronaldinho, o gaúcho, tem tudo a ver com letras! Vai que foi o cara quem criou o gol de letra, não existe essa tipificação futebolística? Então o cara é letrado, Mané! Também existe o gol de placa – e isso justifica a materialização da homenagem através da placa de condecoração – placa ou algo que o valha. E confesso: se Machado de Assis e José Lins do Rego não estavam presentes, foi perrice ao craque, puro revanchismo. Custava ter ido lá dar uma forcinha e depois bater aquele papinho maneiro e descontraído de final de jogo? Imperdoável a atitude do Assis e do Rego.

Estão exagerando na dose... Ronaldinho não foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras – ABL. Ele recebeu, nada mais nada menos, que a comenda Machado de Assis – e isso é moleza! Agora, para candidatar-se seria preciso que ele fosse brasileiro (ele é gaúcho) nato (ele leria nato ou mato?) e ter publicado, em qualquer gênero da literatura, obras de reconhecido mérito ou, fora desses gêneros, livros de valor literário. Agora o bicho pegou pra ele... Gênero de literatura – ele deve conhecer, talvez, os gêneros masculino e feminino, coisa que o outro lá, o outro Ronaldo, certa noite, depois da farra, confundiu; reconhecido mérito – seria passaporte carimbado? Pelo menos no final das exigências há algo que o cara conhece bem: valor! Esse cara, o Ronaldo, sorri à toa quando o negócio trata de valores – por isso que não abre mão dos dentinhos expostos!

Por falar em Dentinhos, recentemente outro da estirpe dele, do Ronaldo, roubou a cena nacional por tornar-se “vegetariano” e andar cultuando Samambaias. De repente, o cara aparecerá na tevê como membro do Greenpeace, enxertado de frutas comestíveis, mas, felizmente, transitórias, pois nosso aparelho digestivo tem a graça de expelir o que entra em curto espaço de tempo. Entretanto, como o sistema é cruel demais, usurpou-se da benevolência do Criador e depois de frutas isoladas teremos que engolir, goela abaixo, as saladas.

Usurpação de valores. Quando o significado valor foge de capital, migrando para o campo da moral e da ética, aí o bicho pega! Bunda virou poder! Pé virou poder! Dente virou poder! Viraram nada! Nós, os estáticos mortais, como já dissera Rui Barbosa, (é que) perdemos a capacidade de nos indignar. Aceitamos tudo pacificamente como se não fosse com a gente. Machado agora pode até estar morto! Mas e os vivos? Como devem sentir-se João Ubaldo Ribeiro, Ariano Suassuna – será que haverá alguma missa em latim para celebrar o nascimento dessa aberração? No máximo, se o caso aqui for entrar na seara do mundo animal, diria que levamos todos nós o maior e mais memorável drible da vaca! Estariam animalizando nossa academia? Os restos mortais, ainda frescos de Moacyr Scliar, devem estar em polvorosa!

Recordo-me de um trecho do Auto da Compadecida quando Chicó, ao deparar-se com o corpo de João Grilo, diz:

“João! João! Morreu! Ai meu Deus, morreu pobre de João Grilo! Tão amarelo, tão safado e morrer assim! Que é que eu faço no mundo sem João? João! João! Não tem mais jeito, João Grilo morreu. Acabou-se o Grilo mais inteligente do mundo. Cumpriu sua sentença e encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca de nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo morre. Que posso fazer agora? Somente seu enterro e rezar por sua alma.”

Mas João Grilo, o amarelo safado, contraria as expectativas dos leitores e volta. Mostra que diante da misericórdia nem o mal é irremediável. Quando o autor diz que “se acabou o grilo mais inteligente do mundo”, ele nos remete a um fato: sem o besta não existe o esperto...

Ronaldinho, malandro, emplacou esse golaço! Quem não gostaria de ter a comenda Machadiana, não é mesmo? E agora, em campo, ele pode e o fará, certamente, olhar para os outros, inclusive para o árbitro, e comentar, humildemente: “Eu tenho a comenda do Machado e você não tem!”... E isso mudará tudo em campo!

É essa a nossa geração; esse, o nosso povo. O povo do Samba, do futebol, do carnaval e agora, mais recentemente, do CCC – quem gosta de besteirol entendeu a sigla modificada. Infelizmente, a interpretação será entendida por muita gente.

A política do pão e circo ou “panem et circenses” ainda reina entre nós. A distribuição mensal de pães no “Pórtico de Minucius”, assegurando o pão cotidiano e a realização de espetáculos onde figuram Ronaldinhos entretém a massa, gerando urros de euforia e de alienação.

Percebe-se, portanto, que toda a questão e revolta giram em torno do aspecto gênero. A política nos liberta da opressão, é a excelência e essência do homem bom e do bem; o político, essa asquerosa mutação do gênero feminino política, torna-se a excrescência humana que, sabe-se lá por que, vem calando e sufocando toda e qualquer manifestação de bom senso.

... Poxa, finalmente recordei! Machado de Assis foi aquele carioca feioso, assim como eu, que criou a Academia Brasileira de Letras. Aí, Mané! E não é que o cara era mesmo escritor! Pax Vobiscum ! – estamos precisando.

Vai uma última alfinetada? Sou capaz de apostar que atualmente na Academia Brasileira de Letras existem muitos caras que adoram dar tapinhas nas costas, de sorriso fácil, de discurso bonito... Aqueles caras que vivem recebendo títulos pelas cidades por onde passam sem nunca terem feito nada por elas, não tem? De repente, a ideia foi de um deles ou de todos. Afinal, tapinha nas costas não dói!

Crato-CE, 13de abril de 2011.

03h33min

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Nijair Araújo Pinto
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 23/03/2012
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