AS LENTES DA VIDA

Sem descortinar explicação, cismava, há muito, porque os jovens, usam lentes de ver ao longe, e os idosos, os que muito viveram, de vista cansada ou de enxergar ao perto.

A experiência dizia-me que era assim, pois há muito verificara, que, ao dobrar o promontório dos cinquenta, sentia-se falta de óculos para ler; mas a razão plausível da deficiência, desconhecia.

Andando a matutar nessa esquisita enfermidade, saltou-me de súbito a solução, que era simples e facílima de explicar: na adolescência, os sonhos, os planos, os desejos, estendem-se para o futuro.

Anseia-se crescer, projectar, construir, realizar megalómanos empreendimentos, que, infelizmente, nunca ou quase nunca, passam de quimeras.

Nesse tempo da ilusão, precisa-se de lentes que permitam contemplar o futuro, já que o presente serve para o antever ou desejar.

Mas os anos correm, cada vez mais pressurosos. Inesperados estorvos surgem: tropeça-se, resvala-se, desequilibra-se, e quantas vezes, cai-se; e de novo, erguendo-se, prossegue-se a vereda, que parece não ter termo.

Os coloridos sonhos da puberdade, pintados a tons quentes e refulgentes, esfriam, esbatem-se, empalecem, e por vezes, desmoronam-se como castelos de cartas.

O casamento ansiosamente fantasiado, perde brilho; a profissão, elaborada com esmero, cai em desoladora rotina e inaudita sensaboria.

Os festejados sucessos, uma vez alcançados, só servem para alimentar novos desejos.

A viagem marcada, em data incerta, fica esquecida. Prestigio, fama, poder, dinheiro, já não se enxergam ao longe. O futuro tornou-se presente e real.

É então que os olhos cansados, requerem lentes de ver ao perto.

Na vida usam-se dois óculos: o de ver ao longe, na adolescência e idade adulta; e o de ver ao perto, quando os anos, a força, a enfermidade, recordam que o fim inicia-se

Verte-se, então, lágrimas de pesar, lembrando que a vida, que parecia longa e eterna, afinal é curta e enganadora.

Esta ideia, das duas lentes, que serviu para muita meditação, escutei-a, certa manhã de domingo, enquanto caminhava, com meu pai, para a romaria do Senhor do Matosinhos.

Humberto Pinho da Silva
Enviado por Humberto Pinho da Silva em 23/03/2012
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