Eu e eu mesmo

Eu até entendo que Brasília tenha a fama de ser uma cidade em que a farra corre solta - nossos políticos não nos deixam outra opinião. Mas passei o Carnaval por aqui e garanto que ele é bem pouco divertido. Isso porque existem poucas metrópoles em que a palavra "feriado" é levada tão a sério. Os restaurantes e as lojas dos Shopping Centers só abrem na quarta-feira de cinzas - depois do meio-dia, naturalmente. Isso não me incomodaria se eu tivesse como fazer minha comida em casa, e se nela houvesse algo para me distrair. Enquanto isso, a sádica Danielle Pykocz, colunista on line do Evolução, ficou me fazendo inveja só porque pôde passar o Carnaval em São Bento.

Imagino que não são poucas as pessoas ansiosas por conseguir o que chamam de independência, ainda que isso signifique morar sozinho. Faço isso há um ano e tenho a dizer que as primeiras semanas são realmente muito boas. Afinal, podemos fazer o que bem entender, criamos as nossas próprias regras, e ninguém pode se levantar contra elas. O controle remoto é sempre nosso, e podemos ficar até tarde vendo TV, ou mesmo varar a madrugada na internet. É um mundo livre e cheio de novidades, e geralmente passamos esses dias em clima de euforia.

Mas dura apenas algumas semanas. Depois, a rotina aparece e você começa a achar que já não é tão agradável assim ficar sozinho em casa. Você volta depois do serviço, cheio de coisas interessantes

que aconteceram com você, mas em casa não há ninguém a quem contá-las. Sim, você pode ligar pra alguém, um amigo, mas não é a mesma coisa: ele pode estar ocupado, talvez não atenda o celular, ou talvez atenda e não entenda por quê você está ligando, e você não conseguirá explicar que apenas quer alguém que te impeça de ficar a sós consigo mesmo por toda uma noite.

Depois de um tempo, você começa a querer adiar a sua volta para casa. Quer arrumar compromissos, saídas em plena segunda-feira, em dias que ninguém pode, em que todos estão com preguiça, porque tudo o que querem, eles que não moram sozinhos, é voltar para casa e encontrar as pessoas que sempre estiveram lá. Resignado, você espera o ônibus e, como não tem pressa nem vontade, deixa passar um, dois, e pega só o terceiro. Quando chega em casa, tem mais uma surpresa: novamente, é a sua vez de lavar a louça, limpar a casa e fazer tudo o que precisa ser feito.

Mas podia ser pior. Houve um tempo em que não havia internet e nem celular - juro de pés juntos que houve um tempo assim, e quem duvidar que consulte algum livro de história. Sei que nas primeiras décadas de São Bento o pessoal se recolhia cedíssimo. E tinham hábitos incompreensíveis hoje em dia, como conversar entre si e, o que é pior, ler alguma coisa. Um imigrante que morasse sozinho não teria o mesmo luxo que eu, que lá da minha solidão uso o celular para acessar o Facebook, e ainda fico sabendo de coisas que acontecem no Egito, na Líbia, no Japão.

Toda essa tecnologia, no fundo, é para acabar com o silêncio. Precisamos de muito barulho e informação porque, assim, evitamos o terrível encontro com a nossa própria consciência. Antes só do que mal informado.

Saudações ao leitor que não me deixa falar sozinho.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 23/03/2012
Reeditado em 23/03/2012
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