Êta Vida Marvada !
Era Setembro de 1981. Minha filha havia escolhido um final-de-semana para nascer: Dia11-Sexta-Feira. Sábado foi um ir-e-vir no hospital Beneficência pelo nascimento e os amigos queriam conhecer a mais nova. A mãe estava contente. Eu atrapalhado. No domingo,resoluto,resolvi tomar uns ares fora da maternidade. Na primeira banca de jornal comprei o Estadão e subi a rua Martiniano,até a primeira lanchonete que encontrei,onde fiz meu ponto de parada.Acho que era a Praca Mário Amaral. O Estadão pesava uns dez quilos e logo sentei-me naqueles bancos fixos horríveis.Pedi uma cerveja e queijo aperitivo,já que ler o Estadão e a Bíblia era a mesma coisa:ler e não entender. Mas fui caminhando pelas manchetes e notícias corriqueiras naquela tarde quente de primavera.Algo comecou a me incomodar. Do meu lado,sentou um japonês que dizia sons esquisitos...e pior:ele tomava laranjada,cerveja e vodka separadamente. Não acreditei. O Estadão ficou de lado. Perguntei-*Como você consegue fazer isso?* A resposta foi incompreensível e intraduzível.Mostrei a cerveja,a laranjada,a vodka e o ato de tomar. Necas...-*Este japonês está perdido ou louco.*-pensei. Ofereci queijo...comeu...e fez um gesto de agradecimento abaixando a cabeca. O que acontecia na Vida e no Mundo,eu não queria saber mais,já que aquela Vida ao meu lado era mais importante. Até esqueci minha filha e a mãe. Acho que quem precisava de um hospital era eu e o japonês do lado. A Vida prepara surpresas. Eu estava na 3a.cerveja; o japonês,acho,na 5a.vodka. A tarde era quente e agradável. O álcool faz milagres! Comecamos a nos entender. Até o moco atendente ficou ao lado escutando. O japonês contava sua história misturando japonês,inglês,espanhol,português,javanês,sânscrito e outras línguas. Incrível!!! Eu entendia tudo! O moco do balcão só ria. O *japa* era um novato na Yashica do Japão e mandaram-no fazer um estágio no Brasil de 3 meses. Estava triste...não queria voltar. Conversamos outros assuntos,sobre os filmes de Akira Kurosawa e outros,pois um assunto puxa outro. Convidou-me para jantar na casa de seu chefe(onde estava alojado)diretor da Yashica. dei uma de carioca e disse que sim. Ele estava realmente triste,mas não conseguiu me responder porque tomava cerveja,laranjada e vodka. Me abracava,coisa rara para um oriental, e me agradecia naquela miscelânea de línguas. Fiquei até emocionado.O moco do balcão não entendia nada e soltava sorrisos. O Estadão entupiu o cesto de lixo.Nos abracamos e a promessa de ligar. Nunca o fiz. Voltei à Maternidade,pois a 2a.feira sempre pesa. Minha filha fez 30 anos e estas histórias todo mundo passa e esquece. Que pena! Amor e Compaixão vivem juntos.Eu creio que ajudei o Japonês e quem precisava de ajuda era eu.Êta Vida Marvada!