_Coisa de recruta

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O recrutamento é uma das melhores épocas da caserna. O internato compulsório, as novas amizades, o lúdico provocado pela transição entre a vida civil e o mundo peculiar dos militares... Fato é que, salvo raríssimas exceções, é justamente nessa época que surgem os tipos mais esquisitos e os apelidos que carregaremos por toda vida militar. Algumas alcunhas são exageradamente engraçadas, causando muitos dissabores ao “felizardo”, mas alegrando, sobremodo, a todos os demais.

É jargão militar que “tal cadete tal oficial”; “tal recruta tal praça pronto”. – pode ser mística, talvez. Os casos reiterados ao longo do tempo revelam, incontestavelmente, que os tipos esdrúxulos, em sua imensa maioria, são detectados no período de formação: os inimputáveis (esse é o tipo de militar que você olha pra ele e pergunta “como conseguiu passar no exame psicotécnico?”), os gatunos (coisa rara em nosso país), os beberrões (detalhe à parte), os mulherengos (tipo em extinção. Motivadores: calor humano dos recrutamentos sociais e/ou vítimas dos excessos hormonais), os "um-sete-um" (aqueles que sempre se dão bem diante de chefes que adoram bajulação)... Os tipos são inúmeros e as coexistências temperam todo período de formação.

Tendo por premissa contar o milagre sem revelar o nome do santo, deixaremos a disseminação do paralisante e tóxico mal da fofoca sob a responsabilidade de todos que vivenciaram o fato. Essa pérola foi plasmada durante um serviço tirado ao longo da vida operacional, gestada no interregno entre uma e outra chamada, quando a tropa se reúne para falar das novidades e das relíquias dos amigos, pares e superiores, não escapando ninguém – do recruta mais moderno ao comandante supremo, todos são lembrado de uma forma ou de outra. Vamos ao caso.

Durante instrução de Tecnologia e Maneabilidade contra Incêndios – TMI, dois recrutas conversavam, enquanto o oficial fazia as explicações referentes ao material da viatura:

– Rapaz, meu irmão abriu uma lojinha de bijuterias e está vendendo bem.

– Coisa boa!

– Fui ontem lá pra conferir e fiquei alguns minutinhos no caixa.

– Legal!

– Chegou uma mulher e me pediu ajuda na compra de um brinco.

– Você entende disso?

– Entendo é nada, mas foi fácil ajudar!

– Como assim?

– Ah, rapaz! Ela chegou com uma foto 3x4 e me pediu para escolher um brinco para a irmã dela... Olhei para a foto e fui atrás de um que combinasse. Foi molinho.

– Sério!

– Ei, vocês dois aí! Dez flexões cada um! Porra, eu dando instrução e os dois papeando... Se não se interessam devem ser espertalhões e, portanto, podem me ajudar, certo?

– Sim, senhor! – respondem em uníssono.

– Recruta 1021 pegue um CROQUE pra mim, rápido.

O recruta, incontinenti, saiu para o cumprimento da missão. O instrutor, assustado, estranhou o itinerário do recruta: sem nenhum temor, dirigiu-se à guarda do quartel e saiu rumo a um dos mercadinhos da imediação. O oficial, pensando tratar-se de mais uma do recruta, permaneceu em silêncio. Minutos depois, suado e cansado, o recruta aproxima-se do instrutor e, mansamente, diz:

– Desculpe a demora, meu chefe, mas pense num bairro de comércio ruim! Não tinha CROQUE em nenhum lugar, então eu trouxe XILITOS, serve?

As observações feitas pelo oficial instrutor, dentro dos padrões militares, são dispensáveis comentar. Entretanto, para alívio de consciência e objetivando manter o foco narrativo, pincelarei o início:

– Seu monstro!

E ao nosso protagonista coube a alcunha de “Recruta Xilitos”, tratamento carinhoso pelo qual ainda hoje é conhecido.

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Nijair Araújo Pinto
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 23/03/2012
Código do texto: T3570478
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