Das graças de um amor platônico
O que eu pretendo escrever aqui não é nada mais do que o óbvio que todo mundo sabe, ou deveria saber, ou costuma saber. Então, se você tem mais de, eu não sei, quem sabe uns 18 anos; talvez você saiba do que eu estou falando. E mesmo assim, não é garantido que de fato saiba.
Ah, o amor platônico! O sentimento mais bonito – e tolo – que um dia ousou existir. Uma via de mão única, o que fere completamente os propósitos do amor saudável. Uma visão perfeita de uma pessoa que muitas vezes nem sabe que você existe, e mesmo que saiba, não pode saber que o sentimento existe. Melhor ainda, não deve saber que o sentimento existe. Amigos de longa data que descobrem que se gostam há muito tempo? Lenda. E se não for, é raro de acontecer. E se acontecer, é raro de dar certo. E se acontecer, e não der certo, a amizade acaba e então chegamos a uma fase de declínio de um sentimento que existia e que você estragou tudo por tentar a sorte. Deu azar. Ama-se platonicamente alguém durante um recorte no tempo/espaço. Não dura para sempre, é um sentimento substituível por outras musas; é frágil, acima de tudo. Seja uma amizade, seja de alguém que não se conhece, fato é que, mudar qualquer uma dessas peças faz o sentimento todo ruir. Geralmente por conhecer a pessoa mais realmente como ela é, mais próxima da verdade, e não tanto idealizada como acontecia na cabecinha de tantos Romeus espalhados por aí.
O que nutre o sentimento, sem sombra de dúvida, é a proximidade entre o amante e o amado. Ver a pessoa amada faz surgirem os sentimentos que tenta-se deixar escondido no canto mais escuro dos corações amorosos. Ou não. Tem vezes que adora-se extasiar-se com algo tão pessoal e que não pode, jamais, ser descoberto pela entidade amada. Mas, o que eu quero frisar é que a chave on/off é ligada apenas por uma visão da pessoa, uma voz, um cheiro, um sms, um curtir, etc.
O amor platônico tem um problema muito grave: ele vir a se realizar. Começa pelo fato de que não seria mais platônico. E continua havendo um desequilíbrio na força, pois um dos lados ama absurdamente mais do que o outro. E termina, enfim, quando se conhece a fundo a pessoa e se percebe que ela não é aquilo que um dia uma imaginação ousou afirmar que seria perfeita. Ou seja, é um sentimento controverso. Se quer sem se querer.
E também, é importante dizer, que existem muitos poréns no meio de todo esse caminho, geralmente porque algum dos dois namora, ou o que ama, ou o amado. E isso faz surgir uma série de dúvidas e pressuposições nas cabeças. “Será que tal pessoa seria melhor comigo? Será que eu seria melhor sem meu namoro e com tal pessoa?”. Racionalmente, percebe-se que não. Se alguma das pessoas, ou o que ama ou o amado, já tem seu par correspondente, não deveria haver lugar para uma outra pessoa. Claro, relacionamentos vêm e vão, mas trocar um relacionamento concreto para um que se baseia em possibilidades vindas da imaginação de um dos amantes, é perceptível que não tem como dar certo.
Mas insiste-se, sabe-se que não se deve estragar uma amizade por causa disso, sabe-se que ela nem sabe que você existe, sabe-se que o amor platônico nada mais é do que uma idealização que só acontece na cabeça de quem ama e que não é – e nunca será – correspondido, mas... TEIMA-SE! Essa busca pelo que é perfeito – mais uma vez, apenas em nossas cabeças -, chega a causar um tilt nos sentimentos até a hora que apenas resta se segurar firme para não cometer alguma besteira. Ou cometer e ver no que dá.
Eu acredito que haja apenas uma solução para o amor platônico (e não, não é uma foda homérica). A solução é o afastamento. É triste, talvez possa até doer um pouco no começo, sentir saudade, mas o importante: funciona. Ficar stalkeando em rede social não ajuda e o afastamento deve ser total, e não apenas físico-geográfico. Deve-se ocupar a cabeça com outras coisas, outras pessoas, e, caso aconteça do destino unir mais uma vez dois daqueles que jamais poderão se unir, paciência e se segura na cadeira pra não fazer o que não deve!
E então, o eu-lírico deste texto que por si só não tem liricidade, pode enfim descansar seu coraçãozinho sonhador, pra não dizer sua própria cabecinha que adora imaginar aquilo que não existe. Pelo menos até antes de ser encontrada outra pessoa para despejar todos esses sentimentos de um amor perfeito que, no mundo real, não existe. Este eu-lírico é fácil de se ver, está dentro de cada um de nós. Quem aqui nunca sofreu com amores platônicos? Ativa ou passivamente? Tem gente que é viciada nisso. Tem gente que namora e nutre sentimentos por outros, secretos, uma traição íntima e pessoal, silenciosa, jamais sendo de fato consumida e nem tendo porque se preocupar com culpa alguma. Quem sabe você não é objeto de desejos daquela pessoa esquisita que você vê uma vez ou outra, mas que, esta pessoa, tem uma pasta no desktop com o seu nome e suas fotos. Acontece, acontece... Enquanto a gente não souber ler os pensamentos dos outros, sempre seremos possíveis alvos. Assim como podemos ser traidores secretos, desde que nenhum passo seja dado. Pois, caso dê, não seria mais platônico, seria declarado; seus sentimentos entrariam em colapso e não apenas eles poderiam ser arruinados.