Juiz também é humano

Chamou a atenção de todos e, o mais importante, cativou a todos a emoção do juiz de direito Cristiano Magalhães, que, no dia 9 de outubro de 2009, na Câmara Municipal de Marabá, não conteve as lágrimas ao falar na audiência pública da comissão parlamentar de inquérito que investiga a exploração sexual de menores, conhecida popularmente por CPI da Pedofilia. O ilustre magistrado, por sinal velho conhecido e amigo do presidente e do relator da CPI, é titular da 5.ª Vara Penal de Marabá e fazia parte da mesa diretora dos trabalhos, como convidado de honra.

Ao usar da palavra, na presença de deputados, vereadores, advogados, membros do Ministério Público, delegados de polícia e pessoas de diversos outros segmentos sociais, o magistrado, ao se referir a um caso no qual atuou como juiz até a sentença de pronúncia dos denunciados, hoje condenados a mais ou menos 40 anos de reclusão cada um, interrompeu bruscamente a fala, por cerca de um minuto ou um pouco mais, e chorou ante a lembrança da crueldade dos assassinos, que estupraram uma criança e depois, para ocultar o crime, a mataram impiedosamente.

Passada a emoção incontida, o magistrado, elegantemente, pediu desculpas a todos e prosseguiu. Não pude deixar de admirar profundamente aquele gesto, que poderia servir de azo para tudo, menos para pedido de desculpas. Não, não era motivo para pedir desculpas: era motivo para ser ovacionado de pé, ante a sua sensibilidade de ser humano que não se deixou sufocar pela sisudez e gravidade da honrosa, mas não menos espinhosa, função de judicar. Naquela hora, sentado no Plenário da Câmara, ao lado da vereadora Antônia Carvalho de Araújo Albuquerque, não me contive e falei baixinho ao pé do ouvido dela: “Que bom, juiz também é humano!”

A judicatura é, com efeito, um dos mais importantes, honrosos e sublimes misteres a que se pode dedicar o homem ou a mulher, mas é também, por isso mesmo, um terreno movediço em que, envaidecidos, não são poucos os que aí naufragam, deixando-se abandonar ao complexo de superioridade e a sentimentos outros do mesmo jaez, desprovidos de qualquer nobreza. Há juízes cujos atos e atitudes demonstram a todas as luzes que se julgam infalíveis e, conquanto o foro íntimo da consciência de cada indivíduo seja algo inacessível aos mortais e que somente a Deus é dado conhecer, a ninguém será lícito duvidar de que existem alguns deles que, tolamente, chegam a pensar que são deuses, sentimento pobre, abjeto e desprezível, o qual nos parece, não raro, também se apoderar de muitos membros do Ministério Público e até de serventuários da Justiça.

Ah!... Não posso deixar de registrar que, não sei por que cargas d’água, a Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não foi convidada para a audiência pública, muito embora seja inquestionável que, se fosse convidada e recebesse a palavra a tempo, teria muito com que contribuir para a grandeza do debate e o fornecimento de subsídios para o trabalho da CPI. Queira ou não queira quem quer que seja, a OAB é diretamente interessada no assunto tanto quanto o Poder Judiciário e o Ministério Público. A uma, porque o advogado – dizem a Constituição Federal e a lei – é indispensável à administração da justiça. A duas, porque, também por força da Constituição e da lei, dentre as finalidades da OAB ressaltam-se expressamente a defesa da Constituição, da ordem jurídica, dos direitos humanos e da justiça social.