Cinco Por Cento
Como sabemos que um professor faz parte dos cinco por cento dos excelentes professores?
Eu nunca fui um aluno excepcional em língua portuguesa. Certa feita a minha professora, Dona Takerrara, uma japonesa muito inteligente, estava passando a matéria na lousa e eu fiquei para trás. A lousa era divida em três partes; ela, minha professora, estava terminando de preencher a terceira parte da lousa, quando eu gritei do fundo:
- Peraí professora, porque eu ainda não terminei.
Sábia do jeito que era, ficou furiosa, porque sabia o motivo da minha demora, então, disse num tom feminino, mas rústico:
- Você é um retardado!
Meus amigos riram de mim. Como a curiosidade instigava meus instintos perguntei.
- E o que é retardado professora?
Talvez eu imaginasse que aquela palavra significasse burro, louco, estúpido ou algo do gênero. Ali a revolta da Dona Takerrara foi quebrantada e o seu talento nato profissional de ensinar falou mais alto, e com mais brandura na voz disse:
- Retardado é uma pessoa atrasada.
Conformei-me. Aquilo não era tão ruim assim. A lição fora dura, mas eficaz.
Anos se passaram e lá estava eu num curso preparatório. A matéria? Física. O Miltão, meu professor do Primeiro, Segundo e Terceiro Colegial (na época) não conseguiu pôr nada em minha mente, já que ele parecia com um espadachim dos anos modernos, com aquela régua de madeira enorme, a cara fechada e as poucas palavras. Já, meu professor do curso preparatório era totalmente descontraído. Pela aparência dele, podia-se notar que garotas poderiam cair na lábia dele facilmente, porque além de ter um belo físico, tórax másculo, bíceps rígidos, abdome definido, ele era tenente da Aeronáutica, inteligente, carismático e brincalhão.
Quando íamos aprender Física nos divertíamos à beça, pois ele tinha um método muito interessante de se ensinar. Lembro de uma fórmula até hoje só porque ele nos fez cantar uma musiquinha que dizia:
"A, B, B... A, B, C... delta é igual esse zero mais V T."
Ou, então, inventava histórias como:
- Imagine a Carla Perez andando na minha frente com aquele shortinho - era tempo que o grupo É o Tchan estava fazendo sucesso - apertado. Eu vou olhando para aquela popançona balançando. - Ele fazia gestos para que compreendêssemos e viajássemos na cena. - Então, eu meto a mão - ele agarrava o vento como se estivesse pegando em nádegas invisíveis - e sinto a textura. A bunda da Carla Perez vai gostar? - Todo mundo ficava em silêncio. - Não! Claro que não!- continuou. - E o que ela me fez?
- Ela te deu uma tapa na fuça! - Um aluno gritou.
- Exatamente! E o pior que ela foi à delegacia me dar parte para o delegado, acreditam? E o que vocês acham que aconteceu? - Silêncio. - Nada! - Todo mundo se indagava o porquê do "nada". - Porque o delegado, doutor do jeito que é, conhece Física. Ele sabe que a Carla Perez deu uma bundada na minha mão e que eu dei uma carada na mão dela, porque toda força positiva tem uma forma negativa.
A classe inteira sorria e entendia a matéria, coisa que não foi diferente comigo já que me lembro disso até hoje.
A questão para se ser um bom professor não é simplesmente impor o respeito de forma rígida como o Miltão, afinal educação tem que vir de casa; porque pode acontecer como o texto de um autor desconhecido que diz:
"Hoje não me lembro de muita coisa das aulas de Fisiologia, mas a bronca do professor eu nunca mais esqueci."
Como esse professor pode ter sido um dos cinco por cento se o próprio autor disse que só se lembrou da bronca? E aonde foram parar os estudos da verdadeira aula?
Talvez o "tenente" tenha tido alguma aula de dinâmica e de como os alunos podem ter mais facilidade para aprender, porque em meio as brincadeiras aprendi e não me esqueci até hoje daquela bentita fórmula. Fazer alusão com alguma coisa daquilo que se aprende como: datas, brincadeiras, canções, um comercial de tv... é muito importante para que o aluno realmente aprenda e não simplesmente decore a matéria por uma semana, sendo que na outra, ele já esqueceu tudo. O professor que consegue ter carisma, dinâmica e que chame os alunos para si como um pastor de ovelhas, sem perder o respeito, esse sim posso considerar um dos cinco por cento.
Hoje eu sei o que é ser um retardado e como escrever corretamente por causa de uma excelente professora rígida, mesmo não me lembrando da matéria daquele dia, o que é ser zoado pelos amigos de classe, o que é ficar calado por medo e o que é uma fórmula de física aprendida com dinâmica e brincadeira a qual me fez passar no ENEM.