Paisagem com trem
(escrita em julho de 2001)
As horas já iam altas. O trem passava, longe, apitando. Ela sempre gostara de trem. Lembrou-se de que, quando moça, gostava de ficar no pontilhão, olhando, de cima, as linhas, os postes, o barranco. Às tardes, após estudo e preparo das aulas, apreciava espairecer-se com a vista nem sempre bonita a outros olhos.
_ Não sei o que você vê numa linha de trem.
_ Gosto do que vejo, meu caro. Todos os dias lhe explico, mas você não entende. Também não é para compreender, é para sentir. Eu, se soubesse pintar, na certa que faria uma tela sob esse ângulo. Venha daqui para constatar se não é como digo.
Ele aproximava a cabeça à dela e fazia um muxoxo, só para vê-la zangada. Depois ele perguntava:
_ A que horas você chegou hoje?
Ficavam ali um bom tempo conversando, esquecidos do mundo, desligados de todo movimento de carros e bicicletas de gente que voltava do trabalho ou ia mais cedo para a escola.
Todos os dias se falavam, olhavam-se, mas não se tocavam. Dia seguinte ansiavam por aquelas horas; ele, após o trabalho, ela, depois dos estudos.
As lembranças se foram com o apito e o último vagão. Fechou o livro cuja leitura interrompera com as recordações. Foi espiar os meninos e cobriu-os. Fez os planos da manhã seguinte:
_ Amanhã compro uma tela, pincéis e tinta.