CATRAMONZELADAS LITERÁRIAS...


De: Silvino Potêncio,
Temos em fase de formatação o material base para publicação do nosso Livro "Crónicas da Emigração" que tem por Sub-Título o nome alegórico de "CATRAMONZELADAS LITERÁRIAS".
Escolhemos este título em respeito e homenagem literária a algumas expressões e verbetes ainda usados pelas gentes do interior de Portugal, mormente na minha região de origem em Trás Os Montes mas,  sobretudo eu resolvi escrever algumas crônicas relacionadas a este sub-título para recordar vários eventos vivenciados nos quase 11 anos da nossa residência em Angola no período antecedente a data da "descolonização" aberrante, que os politicos de ambos os lados engembraram maquiavélicamente em detrimento dos interesses dos respectivos Estados, Nações, e sobretudo dos Povos de ambos os lados; colonizados e colonizadores.
Aqui nestas crônicas eu tento abordar de forma bastante sui generis a maneira como escrevíamos e falávamos naquela época... (1965 a 1975) lá pelos lugares onde eu andei e vivi.
Porém, como se trata de uma obra recuperada na sua maioria de textos incompletos e depoimentos colhidos de memória, há portanto a necessidade de prevenir os leitores, mais para a utilização da fonética e menos para a sintaxe!...
​E as criticas feitas aqui, na maioria das vezes  são mais voltadas para o chiste e a ironia,  e menos para a piada, ou o conto anedótico.
Muitos textos deste volume ou parte deles (há outros em formatação) seguem a tendência muito mais para o trocadilho literário, do que própriamente para a dissertação do provérbio ou da linguagem usada pelos figurantes idealizados em cada cena sumáriamente descrita.
A análise literária é diferenciada da análise filológica... Aliás; a única lógica nestes textos é fazer o leitor se situar no ambiente da cena, e ele por ele mesmo seguir o linguajar de forma absolutamente livre de regras gramaticais, isenta de qualquer tipo  ou métrica do tema poético que, porventura, entre na composição da crônica em si... em dó, em ré, em mi, em LÀ... etc e tal e coisa!...
Boa Leitura e deixamos um abraço "transmontano" com amizade virtual.
Silvino Potêncio
O Home de Caravelas de Mirandela
www.silvinopotencio.net
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Apenas a título de exemplo, transcrevo um desses textos:

® “CATRAMONZELADAS LITERÁRIAS” (130)... Ponham-se milhares juntos, menos mal. Mas a jaula estará menos alegre. (Hobbes)
- - -Logo  depois que eu li Stendhal (que realmente era o pseudônimo dele mesmo com nome de mulher; Marie-Henry Beyle) eu jamais me interessei por escrever sobre “agarofobia”!,... ou por outras palavras; fechei-me em copas.
SILVINO POTÊNCIO – Ex-Combatente em Angola, Ex-Comungado do Rebanho Luz & Tano, Ex-Retornado ao Recto Ângulo Ibéricu... “eisquecido” do poder central! Ex Pulso do IARN, Ex Residente no Gueto Aulgarveschwitz e DACHAU...
 
Lisboa, Feira Popular,... verão de 1975, estava eu  ainda com alguns trocados no bolso, ganhos na era da pré descolonização exemplar como resultado de um mal entendido entre o nosso primeiro ministro, da época, e o emissário dos acordos do alvor, eu entrei na sala dos espelhos e fiz o que já não fazia há muitos anos: - olho no olho, eu olhei-me a mim mesmo no espelho da minha imagem futura.
- Projectei a minha própria figura como um simples figurante disfarçado de farsante, com vontade de ser um “figurão” nos anos vindouros,... vindos do douro e de trás-os-montes, vindos também de outros cantos da santa terrinha, e, já ali, os anos me pesaram como nunca!,... nem mesmo,  quando menino,  o Ti Zé Bico me trouxe umas botas de couro que ele as "comprou-a-as e pagou-a-as" com o soldo recebido no quartel de Lamego ali pertinho do fundo das escadas da Nossa Senhora dos Remédios!... E, eu ouvi claramente ouvido,  uma voz no fundo do espelho que me disse:
 olha, o que não tem remédio, remediado está por natureza! 
... Encarei-me de frente,  e o perfil mostrado na minha aura, não me agradou!
Era um espelho absolutamente real e fiel à imagem do próprio autor.
- Não tinha plumas nem pai...étês!
- Uma imagem totalmente órfã do pai e da mãe-pátria em agonia imigrante irrelevante, simplória mesmo.
- Talvez se me colocasse com um perfil de “esquerda”!?...
Eu olhei pelo canto do olho e vi-me como uma cópia do lado inverso.
- Virei-me para o outro lado e a mesma sensação de total descompostura...
- Não, não!,.. eu tenho é que arranjar outra posição, disse cá para comigo!

- Passei ao espelho seguinte que nas suas formas convexas acaba por nos mostrar os recôncavos de nós mesmos. Os mais absurdos, por ignorados ao longo de tanto tempo.
- Desse eu me afastei com motivos plenamente pudicos, não fosse lá o diabo mostrar alguma parte, totalmente inconsciente de mim mesmo, como que querendo extravazar a raiva contida a muito custo.
-   Posicionei-me em frente do espelho a seguir,  e como que por artes mágicas, eu cresci!, fiquei mais magro! - Como diria a Ti Julheta, feito um pau de virar tripas!, - mas,..talvez com uns retoques na pintura do cabelo talvez eu me parecesse até com algum político e quem sabe!?,... não!
– Este perfil também não me agradou porque eu nunca pintei nada, prefiro tudo ao natural como Deus me deu e, há-de por certo levar de volta porque só ele recupera, na morte,   tudo o que nos deu em vida.   
- Um pouco mais à minha direita e já perto da saída da divertida sala dos espelhos da tal Feira Popular, que tem levantado tanta polémica ultimamente lá na "Lisbia", eu parei um pouco para me olhar de novo, no espelho que me mostrava  com uma barriga padronizada aos indivíduos acima dos quarenta, a que vulgarmente chamamos de curva da felicidade e eu me fiz uma ultima pergunta; algum dia virá em que a minha própria barriga ficará feliz de ser grande, ou ela será grande por causa da felicidade de ter chegado lá?
... saí pela porta principal em direcção ao Campo Grande, céu aberto, cabeça erguida olhei o monumento dos combatentes e mergulhei na entrada do  “metro” e lá fui passar no Rossio, a essa altura já decorado com as figuras dos retornados de (*) Dachau.
( dá chau, entenda-se como "centro de triagem da UTI - Ultimo Trem Imigrante  do IARN")  e mais uma vez!,... como que a cumprir a promessa apreendida dos versos do saudoso  Xico Zé (a benção!, ó!,.. grande Alentejano que fostes dar aos teus irmãos do outro lado das grandes águas,  aquilo que de melhor tinhas aqui na santa terrinha – amor a Portugal)

 – Cheguei na rua da bitesga a cantarolar baixinho:
“... e mesmo que esteja frio,//
que os barcos fiquem no rio,//
parados sem navegar.//
passa por mim no Rossio!,... e leva-lhe o meu olhar!...”

Três meses mais tarde, e depois de eu,  pela ultima vez,  ter ido às terras do “bengo” dá chau,  para de lá trazer as últimas lembranças de ex-combatente emigrante, eu voltei a passar no Rossio, não para o ver, (o Dachau do final desse ano estava irreconhecível!!!)  nem para cantarolar o Xico Zé, mas sim para ouvir dos colegas de infortúnio; olha pá, isto aqui é uma multidão de desorientados. Aqui todos já deram chau e foram à vida!
-  Nós, vamos é para o sul! - Vamos para o sul, o mais longe possível porque isto aqui nada fica a dever ao hall de entrada do campo de “Dachau” - ... e este foi sim o meu ultimo olhar de adeus ao Rossio  pátrio!,  ... então, “Ciao”! – disse-lhe eu ao meu espelho no Rossio que,  em bom português,  se pronuncia “Chau”.
“Dá chau” para ti também! e...
- Recebe lá no teu canto eterno onde subiste
Esquecimento desta terra agora tão triste,
E que nunca daqui me leve a ver-te
Mesmo sendo tão difícil esquecer-te!!!
(*) aviso aos navegantes: Dachau, que na prática se pronuncia "Dá Chau" é o nome da primeira cidade alemã aonde se concentravam os Judeus recambiados dos seus lares pelas tropas Alemãs para abastecerem os fornos de gas dos adeptos "Mengelistas"... Um dia destes eu vos conto algo mais sobre o tal Mengel...    
Silvino Potêncio/Natal-Brasil -
Silvino Potêncio
Enviado por Silvino Potêncio em 20/03/2012
Reeditado em 07/01/2016
Código do texto: T3564931
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