De Rilke, jornais e patos em sincronia
Ibirubá, Salto Grande, 03.08.01.
Aqui, assim, nesse recanto, lembro-me do escritor Rilke em seu livro ‘Cartas a um jovem poeta’. Ora, vejam, esta deve ser a hora do amor. Todo o dia vi apenas patos avulsos nadando. Agora vejo dois juntinhos, em perfeita sincronia, e não sei qual dos dois dá a voz _ou faz o movimento_ de comando. . Um não parece seguir o outro. Um não está nenhuma fração de segundo atrás do outro, sincronia perfeita.
Eu falava de Rilke, o escritor que buscava, a cada temporada, o seu refúgio. Buscava clima ameno perfeito para curar-se de sua fragilidade física, e paisagens europeias belíssimas, ao que se sabe, mas os seus aposentos eram sempre rudes, austeros nos seus poucos móveis. Não estou doente, nem estou próxima de lindas paisagens europeias, nem escrevo cartas a um jovem poeta que me pergunta se tem ou não o dom de escrever, mas a paisagem que tenho é esta que contemplo e é até aqui que pude vir; desfruto dela e desses momentos e é só.
Trouxe comigo uns cadernos de jornais. Em casa, o trabalho de colocar jornais velhos para fora é meu. E sempre me atraso nesse afazer, de modo que os jornais se empilham quando viajo, quando estudo, quando me concentro num só e outro objetivo. Para quê, às vezes penso, assinar jornal? Ele, o Bem, quase sempre lê jornal nos momentos de folga no trabalho. Os meninos, um estuda fora e o outro não tem ainda uma rotina diária de leitura. Ouve e faz seus sons, lê seus livros, telefona aos seus e tem lá a sua organização própria de prioridades.
Leio o jornal do dia quando tenho alunos à tarde. Nos outros dias vou lendo com atraso as matérias que me importam, pois estas não ficam velhas de um dia para o outro. Daí me concentro na vida de escritores, roteiristas, compositores e suas obras; leio artigos, ensaios , matérias que ainda estão em pauta. Seleciono o que quero e carrego comigo. Estes dias , ontem e hoje mais precisamente, li sobre Harold Pinter, Aoyama Shinji, Gianni Rato, Décio de Almeida Prado, Walter Salles, Roberto Drummond. Interessa-me saber sobre o fio condutor de suas leituras, formação de cada um, sobre o processo de criação em seus trabalhos. Leio as crônicas de Raquel de Queirós, Mário Prata, Veríssimo, João Ubaldo. Minha fonte, por esses tempos, é o Estado, vê-se. Em outros tempos era a Folha. Esse gosto e tendência não me impedem de ver outros cadernos, como o de Informática ou Agricultura e ler também outros articulistas e reportagens ainda atuais.
Como o Rilke, estou só e raramente falo com alguém, mas em meu universo mental vou encontrando e ouvindo falar dos gênios da criação em todo o setor. Se paro com Raquel ou João Ubaldo, eles ficam falando comigo mesmo depois de fechar os cadernos e os olhos e então não estou só.
Isto da separação física de outros seres não é sempre ruim, a não ser na hora do medo ou de saber que o outro precisa da gente ou não está bem. O distanciamento temporário é útil para se valorizar os momentos de presença e de contato, não é novidade. É o tempo de enriquecer-se para a volta e é sempre bom saber que há a volta, que os dois lados sempre querem o reencontro. Como os patos que nadam sozinhos e depois voltam à sincronia do nado em que um não está a comando do outro, mas nadam, os dois, na mesma direção e fazem os mesmos volteios.