Cowparade de Goiânia - um evento divulgado em razão da ação de um cowboy beberrão...
Cowparade de Goiânia - um evento divulgado em razão da ação de um cowboy beberrão...
A “Cowparade”, como se sabe, é um evento artístico de natureza mundial. Ignoro os seus verdadeiros fundamentos, mas de qualquer forma, percebo que é um projeto de natureza planetária que se dirige para a provocação de uma faceta local: os donos do projeto fornecem as vaquinhas de acetato, os artistas locais a pintam e, elas são levadas às ruas, onde são inseridas no dia a dia da cidade, criando um imaginável contraste entre um símbolo cultural antigo - a vaca, em relação ao mundo urbano e caótico, provocando, talvez, uma reflexão irônica sobre esta distância, além de gerar um momento de divertimento e alegria, a partir da interação das pessoas com as tais vaquinhas.
O evento começou pelas grandes metrópoles do mundo e, depois foi se dirigindo para cidades de grande e médio porte. Nas grandes metrópoles planetárias, o evento fez muito sucesso, o que alavancou a sua extensão a mais e mais cidades.
Dizem que nas grandes metrópoles, não entrou dinheiro público na coisa, tendo sido o projeto realizado, de qualquer forma, com recursos captados na iniciativa privada. Para as demais cidades, no entanto, a realização do evento, à falta do patrocínio privado, depende de recursos públicos.
E foi assim que o evento foi trazido a Goiânia: custeado da Prefeitura (como se pode resistir à comparação de tetas e erário neste caso?). O preço, dizem, beirou um milhão de Reais -mas calma lá, que estou vendendo o peixe do preço que comprei.
Antes da chegada do evento, já havia gente escrevendo nos jornais, criticando e alegando que a "Cowparade" era um evento caro e, por assim dizer, dispensável.
Mas, a coisa foi adiante. E, as vaquinhas do evento se materializaram nas ruas de Goiânia - no meu caminho diário para o trabalho, por exemplo, vejo duas todos os dias: uma no terminal de passageiros do Jardim Novo Mundo, outra na Rua 10, logo após a Praça Cívica outra, na portão de entrada do Bosque dos Buritis e, mais uma, na Praça Tamandaré.
A reação inicial, pelo que notei, foi menos de surpresa que indiferença. Mas, não demorou e começaram os ataques destrutivos às mimosas pintadas pelos artistas locais - pichações (qualquer dias desses, começam a pichar carros em movimento, sob o olhar complacente das autoridades!), abalroamentos com veículos, riscos, etc. Alguém pode dizer que isto demonstra e põe em cheque o nível cultural e o apreço dos goianienses pela cultura.
Não sei se a reação às vaquinhas coloridas tem muito de estranha ou, sirva, como já ouvi dizer, para medir o suposto desapreço dos goianienses pela cultura - discussão incabível, à vista de sobejas provas em sentido contrário - e, é bem oportuno, por outro lado, para demonstrar justamente o oposto: uma reação instintiva contra o evento em si, materializado na agressão de seu veículo de difusão
Os encarregados do setor cultural da Prefeitura de Goiânia, se entusiasmaram com o evento de natureza planetária e com a oportunidade de inserir a capital de Goiás em seu âmbito, mas se esqueceram de um detalhe: a cultura ancestral do público alvo do evento.
Os goianos descendem de uma cultura que se erigiu sobre uma economia e uma sociedade agrária, disto decorrendo que boa parte do acervo de valores culturais estão ligados a esta história. E não é difícil verificar que, em termos arquetípicos, é o boi - e não a vaca, que prevalece, como símbolo referencial.
Faz menos de três décadas que Goiás se descolou de sua faceta agrícola, tendo se tornado um estado agroindustrial, do que é reflexo, inclusive o deslocamento de um imenso de contingente da população rural da zona rural para as áreas urbanas. A ligação mental com aquele mundo - costumes, tradições e valores, ainda não foram definitivamente rompidos ou substituídos. Boa parte das pessoas que vivem em Goiânia, se deslocaram do interior para cá (meu caso) ou descende de gente assim.
Muito embora esteja perfeitamente numa sociedade veloz e globalizada, o goianiense ainda está ligado às arraigadas tradições e costumes interioranos - na primeira oportunidade, se deslocam para o interior do estado, para revivê-las.
Vai daí, que...
... a "Cowparade", na capital de um estado agroindustrial, fica parecendo uma espécie de paródia à cultura e ao jeito de viver dos goianienses.
Muito embora as tais vaquinhas sejam divertidas, se registram mais e mais o vilipêndio e o ataque a elas. Pode ser inconsciente. Mas, é uma reação veemente, cujo recado é muito simples: recusa.
É um evento cultural e midiático mundial com uma conexão com os artistas locais e o povo do lugar? Pois, fracassou. Mais que, isso: foi ridicularizado e recusado.
Custou uma grana violenta? Pois, é: mas não faltou quem alertasse sobre o desperdício dos recursos públicos envolvidos, do deslocamento do tal evento, em relação aos conceitos culturais dos goianienses.
A origem da nossa sociedade é agropastoril e, encontra-se agora no estágio agroindustrial. Em termos de símbolo, tenho impressão que o nosso arquétipo é o boi, e não a vaca. Basta recordar que, nas casas de fazenda e algumas casas em cidades do interior, ainda é comum encontrar nas mesas e estantes, sobre um forro caprichosamente bordado, a figura de um simpático boizinho gir.
E agora, que a atividade financeira dos produtores rurais vão se acentuando em termos de valores e lucros decorrentes, mais e mais vemos, à beira das estradas, figuras de bois em tamanho real e pintados com grande realismo, que vão substituindo as conhecidas placas de identificação de logradouros - fazendas e, "córregos (regiões)" com as figuras de bois nelore ou gir, em posição hierática.
O touro e a vaca, desde a aurora humana, são símbolos de diferentes naturezas -genericamente, aquele corresponde a instinto e força, em aposição a sacrifício, e esta, fecundidade e, vida em abundância. Pergunto: podem ser interpretados igualmente, para os fins de um evento desta natureza neste momento de nosso desenvolvimento histórico e econômico? Talvez isto devesse merecer alguma reflexão dos responsáveis pela contratação do tal e renomado evento...
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No começo da semana, a vaquinha do portão do Parque dos Buritis estava no chão, riscada e pichada. Prevejo outras vaquinhas detonadas, por aí.
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Acaso, estou dizendo que eventos de natureza tão cosmopolita não caibam, não devam ou não possam ser realizados em Goiânia? Acaso estou dizendo que o nosso negócio é somente cavalhada e pequi? De forma alguma - Goiânia tem sede e público para os mais variados eventos culturais. Goiânia tem produção cultural e artística de excelente qualidade que, tendo identidade local, se afina perfeitamente com o que é feito no mundo inteiro. E muitos artistas goianienses conhecidos e respeitados dentro e fora do país.
Também estaria defendendo o ataque das vaquinhas como algo legítimo, em termos de afirmação da cultura local? Jamais. Existem muitas formas diferentes de fazer isto. Discutir a respeito, por exemplo. Antes das tomadas de decisão, de preferência.
Estou alegando que tudo o que ocorreu com as figuras das vaquinhas coloridas tem natureza de protesto? Também, não. Porque não faltam nesta cidade, provas do comportamento agressivo e ignorante de pessoas e grupos, contra o patrimônio público e particular – é o caso clássico dos pichadores, cujas ações muita gente boa gosta de defender, inclusive do ponto de vista de expressão individual.
O que eu disse, apensas, é que a "Cowparade" ficou com uma cara estranha por aqui, e foi percebida pelo público como uma espécie de paródia à cultura local. Ainda que, involuntária. A importação talvez tenha decorrido de ausência de uma reflexão maior sobre esta.
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Alguém se lembra da instalação das antas na Praça dos Três poderes? Foi uma espécie de "Parada das Antas" executada pelo irrequieto e genial Siron Franco (que também participou da pintura de vacas de plástico), que produziu quinhentas peças em tamanho natural do bicho, as pintou, instalando-as depois em Brasília - DF, na praça dos Três Poderes, em frente ao Congresso Nacional. O conjunto visto de cima formava a bandeira brasileira. Vistas de baixo, eram a representação irônica de nossos parlamentares...
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Um milhão de reais (ou mais, muito mais), é o que se ouve. Com uma grana destas daria para se fazer muita coisa - um projeto de cultura local para ser levado aos escolares e suas famílias, por exemplo.
De lambuja, oficinas de todas estas modalidades de manifestações artísticas acopladas.
Deixa prá lá - os sábios da cultura local devem saber bem o que é melhor para os goianienses, em termos de oferta de eventos culturais.
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Em 20.03.2012: picharam a "vaca atropelada" de Siron Franco, instalada na esquina da Avenida Goiás com rua 3. E ele não gostou nada da "socialização" exercida sobre seu(?) trabalho. E acho que está certo. Pichação é crime - e uma tosqueira que faz ter asco do pichador e sua mentecaptalidade. E o grafite... Muita pouca coisa pode ser considerada relevante e de fato artística.
E... roubaram a vaquinha rosa do "Cowparade" colocada no Parque Vaca Brava.
Três cowboys bêbados, passavam perto do Parque Vaca Brava na madrugada, quanto viram por ali uma vaca cor de rosa. Certarmente, depois de verificarem que não se tratava de um delírio (pois, os três a viam), resolveram roubar a coitada. Assim, a colocaram numa camionete Saveiro vermelha e a levaram embora.
Motivo? doideira, diversão - algo entre a cor do carro e a cor da vaca de plástico. A polícia foi até a casa do sujeito e o enquadrou. E a vaca foi parar no pátio de o pátio da Polícia Civil, no bairro Cidade Jardim.
E aí... Manchete e foto na capas dos jornais, reportagens no rádio e na televisão, com entrevista do rapaz da Saveiro e, é claro, a prova dos nove da explosão de mídia em torno do evento, um vídeo de entrevista do figura, bombando no Youtube.
Ou, seja: para todos os fins (hein, prefeito?), o "Cowparade" da cidade foi salvo do fracasso popular pelo cowboy doidão.
Por motivos bisonhos, muita gente com a língua - ou dedos - queimados. Eu, também.
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Em 21.03.2011: uma piada que ouvi no restaurante, hoje, no bairro Cidade Jardim: se o negócio é vaquinha, ficaria mais barato encomendar a fabricação delas pro cara da oficina de vinil que fica perto da Ricardo Eletro da Pio XII. Com um décimo do valor gasto, se fazia uma boiada!
* MPG - Música Popular Goiana. Sigla que criei recentemente, para encurtar a história nas citações da música produzida localmente, nos padrões da MPB.
Aqui, um link sobre a história do patético roubo "artístico":
http://www.osvideosengracados.com.br/roubo-da-vaca-da-cowparade-em-gyn
Em 24.03.2012 - agora estou sabendo: lá em Porto Alegre, também roubaram uma vaquinha. Lá, não tem cowboy. Mas tem a figura equivalente!