Tudo bem? (Algo sobre costumes)

Pra ler depois de ouvir: Herdeiro da pampa pobre. De preferência na versão do Engenheiros do Hawaii.

Dança do Tempo

Por aqui? Tudo vai ruinando. Aquela escola aonde estudei lá longe em quilômetros, com nome e credibilidade, também vira ruína junto com o resto da cidade. Lá eu não sabia de nenhum lugar onde nada é real e muito menos me interessava porque o som do fone tocava alto no meu ouvido aquela rádio engraçadinha e era o bastante.

Mas agora uns caras meio estranhos, me disseram algumas coisas que até morrer não vai dar pra resolver, apenas divagar mas... no agora eu leio e ouço o que eu quero. Caminho por onde tenho coragem. Perfumes, cores, clima seco, álcool... Vejo e passo por tudo. Tem algum mistério que escapa do entendimento de todo mundo, aquele que paira sobre a avenida vazia as duas da manhã quando olho por cima do guidom da moto e não consigo me sentir só.

Nessas noites é que encontro respostas... se bem que as perguntas não são tão lúcidas. O fone é outro e ainda alto, porém, nada de rádios. As músicas são escolhidas de forma cuidadosa e me lembram, por vezes, alguma coisa pra ler. Sempre alguma coisa triste e necessitada de apoio: fruto da ruinação.

Nessas divagações, volta e meia escrevo alguma coisa, alguma coisa pra tentar escapar das ruínas, retardar seu avanço sobre as paredes e neurônios, volta e meia faço a cabeça e esqueço de ruína, ideal e o escambau. Só não esqueço de me nutrir com as notas e melodias e palavras e versos e textos.

Se eu queria que estivesse tudo bem? Claro que sim. Mas seria tudo tão bonitinho e bem feito que não haveria porque fazer nada. Nunca vai estar tudo bem.

As ruínas vão tomando conta da paisagem e enquanto eu caminho pela rua poeirenta com meu cantil ouço os tijolos quebradiços caírem. Eles montavam paredes aonde moravam neurônios. Me escoro em uma dessas paredes ainda em pé, escrevo e tomo outro gole. Deus não gosta de calmaria, calmaria é para morto. Graças a Deus nunca vai estar tudo bem.

Um porre e toda a dor de viver resumida em uma dor de cabeça e o corpo dolorido, já em casa. Eu ligo a televisão e um especial sobre a Legião Urbana me surpreende. Bom começo de dia pra quem dormiu no tapete vomitado. E tudo de que consigo me lembrar é da rua, alguma coisa sobre ruínas e de apenas dois ou três goles... Das primeiras vezes que faço esse tipo de coisa sozinho. Desde quando vim pra essa região seca, no fim do fundo do quintal da américa do sul dentro do Brasil tem sido desse jeito. As pessoas aqui são mais prudentes do que eu esperava. Ah sim! Tem um bando de bobalhões que perdem a linha mas não são o tipo de caras com quem eu andaria.

Eu estudo história também. Se ganho dinheiro? Ganho uma bolsa que me paga uns gorós, comidas de boteco. Moro num quartinho: um tapete, televisão, pilhas de livros, um computador e um sofá. No canto tem um banheiro que a cada descarga dá medo de se afogar. Um quarto desses enfumaçados saca? Uma lâmpada amarela fraca, era a mais barata. Por incrível que pareça não moro sozinho. Tem baratas por aqui também.

Você tem sentido cheiro de fumaça? É madeira, que torra, que arde, que se transforma em uma casca preta, dessas boas pra chutar. Que não se despedaçam no primeiro chute, como a gente imagina que se despedaçaria, afinal o aspecto é tão frágil e. E nada. Escrevendo assim parece que estou falando e falando parece que estou escrevendo, daí um pessoal não entende e eu prefiro ficar quieto. De tanto ficar de boca fechada meu hálito se tornou podre. As vezes consigo esconder e manter ele mais limpo, mas. E quando quero falar pareço escrever e ele se mostra, aí acabo calado de novo.

O cheiro de queimado ainda é úmido mas sem demora vai secar. E vai esfriar e vai ser ruim de respirar. Os vícios continuarão os mesmos, cigarros apagando, garrafas se esvaziando, cerveja, vodca nacional... dessas bem baratas. E o cheiro. E gente? Vai ter? Vai sim, sempre tem. Você pode dizer: nativos: estão acostumados. Acostumados? Nativos? Não creio em um nativo nascido em uma Cohab. Nem no centro, nem em cidade nenhuma que tenha pretensão de ser igual à grande.

E o cheiro é o mesmo. Só que ninguém liga.

De ruim passa a ser até interessante, sentido dessa maneira. Buscando essência. Onde há fumaça, há. Fogo da terra, do chão, de poeira vermelha, entranha embaixo da unha, do nariz e dói. Vai secando e esfriando.

Ah, faça-me o favor! Pra que eu escreveria qualquer coisa com um tema central? Desde que me entendi como gente já sou um amontoado de coisas. Coisa nenhuma nativa, com coisa nenhuma cosmopolita, com coisa nenhuma. Mas sou.

Sou eu o cheiro da fumaça. Mistura de uma região com a outra, de um mesmo estado. Estado de merda. Não existem estados, não dá pra separar assim, nem por religião, nem por categoria, nem por aspecto nem mesmo por costume. Costumes? Já existiram.

O barbudo disse que ainda existem, e é culpa minha deles se perderem. Minha? Não fui eu quem pedi pra toda cidade ser igual.

“O pessoal aqui fala engraçado.”

Sem mais. Quem fala engraçado é quem fala que é. É isso por causa disso e mais isso. Cabeça dura. Dura de pedra, e se tiver água, pode jogar por cima. Não vai acordar nem furar. Vai acabar cedendo ao contorno.

Costume de comprar tudo pronto, na padaria, no mercado, na fármacia que já serviu pra vender remédio.

Mas eu tenho orgulho de ser.

Ser o que? Desentendido. Ah sim, entendi.

Sopro Mato
Enviado por Sopro Mato em 19/03/2012
Reeditado em 20/03/2012
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