BARULHOS DA CIDADE... COM HUMOR
 
Aos sábados à tarde e aos domingos, quando todos querem relaxar dos infernais ruídos do trabalho; quando todos  precisam fugir do seu habitual dia-a-dia para não enlouquecer; quando todos os trabalhadores e não trabalhadores do trecho querem ficar por algumas horas perto da família e longe do barulho das fábricas, das ruas, com seus motores ligados; distantes do burburinho do comércio, com suas propagandas e anúncios de áudio; de toda a azáfama  da fanfarra produzida pela faina do ganha-pão nas atividades que o social das médias e grandes cidades exige dos seres humanos, nova loucura começa: a do entretenimento.
 
Mas, depois dessa semeadura de decibéis altíssimos, os mesmos fugidos da fanfarra diuturna que durante a semana os atormenta, nessas poucas horas consagradas ao descanso (isso somente os mais crentes no cumprimento do dever), por masoquistas ou para não perderem o costume, fazem o seu próprio festival de sons domésticos. Para os que, como eu, nessas horas estou chimarreando solito e pensando na vida, e/ou jogando conversa fora com algum visitante, obriga-se a aturar a perturbação dos seus ouvidos com esses sons. Lá vêm berrando e rasgando o silêncio os sons másculos das motosserras, cortando cepos de lenha; o perene e enjoativo som do motor dos lava-jato; o ronronar altíssimo, com intermitências, das cortadeiras de grama; os golpes secos, de alto impacto no ouvido, de martelos implacáveis judiando da cabeça de inocentes e bicudos pregos e outros. Isso acontece nos bairros, a habitação do povo mais simples. Depois tudo fica quieto, silencioso. Ouve-se moscas dançando com folhas secas no ar. É hora do banho; do perfume; do trago/gelada ou do chimarrão. Mulheres dão os últimos retoques. Durante a tarde andaram às voltas com os banhos; com as pinturas das unhas de mãos e pés; enfim, como as máscaras de embelezamento.
 
Mas Bach, tsche, isso dura pouco!  É nessa hora que começa nova série de torturas. É hora dos “Tum, Tum, Tum”, nas casas de show, boates e mesmo no trânsito, fazendo tremer os próprios carros. Essa musicalidade inversa de após doces eras de lenta, erudita e suave música clássica; dos corais cantando e encantando multidões; das valsas rodopiadas em salões; dos boleros e tangos cadenciados e artisticamente executados e dançados com lídimo sentimento de arte, pela nobre classe de dançantes de todas as idades e condições financeiras do povo, que primava pela arte e não pela folia; do povo que deixava o carnaval e a dança de achaques ao corpo físico e ao aparelho auditivo humano, para dias e/ou horas específicos; tempos em que ainda não tinham inventado a trilha sonora dos prostíbulos do pó e suas modalidades específicas de atordoamento dos sentidos com arremedos de sons musicais e de danças sem arte nem harmonia. Essa cultura, que ironiza o bom senso e a inteligência humanas, há decênios iniciada e sempre “aperfeiçoada” para pior, está viciando a mentalidade dos jovens que, para degustá-la com pleno êxito, fazem uso dos acompanhamentos, achando isso o ponto alto da atualidade, sem lhes ocorrer que estão reduzindo sua capacidade  física e mental.
 
Os jovens não veem por este prisma, nem o incômodo que estão causando, como não acreditam nas consequências funestas dessa cultura.
Resta, a nós outros, que trazemos nas veias, não latente, mas ativo, o estigma da arte, rezar para que o bom Deus não permita que nossos ouvidos sejam perturbados e que a moda em curso.  Da mesma forma, oremos para que, antes que essas funestidades   previstas aconteçam, haja um comedimento para esse tipo de lazer.
 
190312
 
Afonso Martini
Enviado por Afonso Martini em 19/03/2012
Reeditado em 20/03/2012
Código do texto: T3563532
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