_Os músicos da caserna

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A música nos acompanha no transcurso da vida: nos momentos de felicidade, nos aflitivos. Não raro, essa ou aquela canção nos faz recordar, reviver momentos, relembrar pessoas... Os fatos existenciais perdem um pouco da essência sem a harmonia das notas e sons de belas melodias, acompanhadas ou não de encantadoras vozes. Médicos constataram que gestações regradas ao som dos clássicos implicam crianças mais equilibradas que outras gestadas ao sabor de ritmos mais agressivos – talvez a afabilidade esteja diretamente associada aos sons que nos embalam durante o período de formação fetal.

Nas solenidades militares, o uso de instrumentos musicais também se faz necessário. São eles, os sons, que dão tônica formal à cerimônia, sem torná-la enfadonha... E a soberba se professa mais persuasivamente.

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Preocupado em criar o quadro de músicos da Corporação, certo comandante decide tornar real o sonho de muitos jovens: ser militar do Corpo de Bombeiros. Sai o edital. Jovens se preparam. A luta será ferrenha. O Casarão Vermelho[1], democrático em sua essência, tem, portanto, o prazer de congregar tipos brasileiros, do pseudo-intelectual ao homem pudico do sertão.

A origem influencia nossas ações. Apesar de o tempo nos modificar, valores familiares e outras peculiaridades humanas são difíceis de serem alterados. Por mais que a tecnologia e os meios de comunicação nos queiram "padronizar" as ideias, o modo de agir e de pensar, não raro, encontramos matutos brabos do sertão – homens, talvez, enxertados de fidelidade ética raramente encontrada nos senhores da capital. Esses moços da capital e os mancebos do interior, almejam único propósito: passar. Prova efetuada. Exames realizados. Recrutamento. Instruções. Avaliações. Aprovação. Tropa formada. Lotação dos músicos.

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1994. De plantão, um jovem egresso[2] do interior cearense e abarrotado de "causos" naturais – homem a quem, erroneamente, chamamos de matuto. Ele, típico cidadão brasileiro, havia ingressado na vida militar por milagre do Divino.

De onde viera, conhecia apenas Josés, Pedros, Marias, Joaquins... Nomes que soam naturalmente aos ouvidos da nossa gente. Esse homem agora, curioso como todos os demais componentes do Corpo de Bombeiros de então, entra no alojamento dos recém-formados da primeira turma de músicos da Corporação. Está pensativo e passa o dia assim... "O que teria no alojamento desses recrutas?" – Pensa consigo exaustivamente.

À noite, por ocasião do horário de ronda, não suporta a curiosidade e vai, alegre, vistoriar o alojamento. Aproxima-se dos armários. Com a lanterna, presta-se ao trabalho de verificá-los. Inicia silenciosa leitura: Clarinete, Trompete, Saxofone, Bumbo, Tuba, Trompa, Trombone... De repente, exclama o sobressaltado[3] rondante: "Vixe, Maria! Que nomes estrambóticos[4]! Nunca vi nada parecido! As mães desses rapazes têm mau gosto danado!"

Não satisfeito, nosso glorioso bombeiro, guardião do aquartelamento, desce e procura o Oficial de Dia, questionando-o:

– Tenente! O senhor já viu o nome dos recrutas? Não tem como mudar, não?! Como é que uma mãe passa nove meses com um bicho crescendo dentro do bucho, joga pra fora o infeliz sentindo as dores mais feias do mundo, e coloca no filho o nome de "Trompete"?!

O tenente até tentaria explicar, mas bradou socorro e tiveram que sair, prontamente, para o atendimento. Ao retornarem:

– Pois é, tenente, não tem como mudar o nome desses recrutas, não?

– Vamos dormir, Nazareno? Amanhã explico a você, pode ser?

– Mas, chefe! Vão rir da gente na rua quando virem esses nomes da peste!

– Amanhã, Nazareno.

– Ih, que enrolação da peste! Ah se eu fosse oficial! Já teria resolvido isso. Aposto que tem Antônio, José, João no meio dos nomes dessas pestes!

[1] Alcunha da sede do Comando Geral do Corpo de Bombeiros.

[2] Que saiu, que se afastou.

[3] Surpreso, assustado.

[4] Variação de estrambólico – esquisito, estranho.

Nijair Araújo Pinto
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 19/03/2012
Reeditado em 19/03/2012
Código do texto: T3563508
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