Tacaram uma pedra no meu telhado
Tacaram uma pedra no meu telhado. No meu telhado, que é de vidro. Está sobre minha cabeça e sob o céu estrelado de uma noite qualquer. O galo já havia cantado os menininhos arteiros ido para suas casas, para lavarem os pés negros de correr pelas ruas empoeiradas do bairro. Eu estava recostado em uma almofada e colocava o peso dos pés em um travesseiro. O lençol da cama ainda estava quente do forte sol que recebera há algumas horas. Com os olhos quase fechados e enxergando pouco as luzes da Tv, escutei aquele barulho seco , como se realmente uma pedra tivesse atingido em cheio o meu telhado. Levantei rápido, correndo para a janela, pois queria saber da onde a tal pedra teria vindo. Com a cortina levemente afastada, observei um grupo de rapazes que jogavam capoeira, uma senhora com um lenço roxo na cabeça e um casal de namorados, ou que curtia uma amizade colorida, passando do outro lado da rua. Enquanto tentava decifrar aquele mistério, em minha cabeça só ecoava o ruído da pedra que tacaram no meu telhado.
Abri a janela, debrucei-me sobre ela e comecei a imaginar quem poderia ter sido o inconsequente. Olhei firme para a roda dos capoeiristas e percebi que cada movimento conotava muita felicidade. Estariam felizes pelo fato de terem conseguido apedrejar meu telhado? Bem , continuei olhando aquelas pernas cruzando o ar e se entrelaçando umas com as outras , e decidi não acusa-los em vão. Mudei meu olhar para a senhora do lenço roxo. Ela andava vagarosamente pela calçada puxando um carrinho de feira, coberto com uma espécie de suéter. Estaria o carrinho cheio de pedras? Captei seu olhar e notei que estava triste. Bom, seria uma tristeza por um possível arrependimento? Um arrependimento por ter tacado uma pedra no meu telhado? A agitação tomava conta de mim, e nem a vovozinha escapava de minha incansável suspeita. Entretanto , qualquer suspeita contra ela foi eliminada quando ela parou , destampou o carrinho, e dessa forma, eu pude ver com clareza o que ela carregava ali. Eram dúzias de bananas, bem amarelinhas e apetitosas. Simples bananas, assim como eu me sentia por ter desconfiado dela.
Foi aí que me percebi. A pedra não poderia ter vindo da rodinha de capoeira, nem da pobre senhora. Agora, só me restava analisar o casal que passeava. Eu sabia, e sei, que o homem tem uma mania insistente de querer impressionar, não só a mulher que está do seu lado , mas também aquelas que estão à sua volta. É normal e faz parte da teoria da dominação territorial. Com certeza, nesse caso não seria diferente. Ele tinha cara de ter lá seus vinte anos, e ela uns dezoito. Devia ser um daqueles encontros furtivos, buscando uma rua sossegada, livre de muitos olhares e carros buzinando sem parar. Um encontro esperado durante todo o dia por eles. Poderia entender tudo isso, se não fosse pelo fato de pensar que um deles tacou uma pedra no meu telhado. Bem, na verdade, acreditava muito pouco, que uma menina com mãos delicadas e indefesa pudesse fazer isso. Mas...
A tensão e ansiedade em identificar o culpado já faziam meus ombros doerem e minha cabeça girar. Em outra época, não ligaria, porém troquei o telhado há muito pouco tempo, e não foi barato. Quanto mais o tempo passava, mais eu me decepcionava, porque estava notório que não conseguiria saber quem teria tacado a pedra em meu telhado. Uma conclusão inesperada me chegou. Presumi que aquele garoto nunca poderia ter tacado a pedra, pois pelo seu olhar para se ver, que estava amando demais para perder tempo fazendo outras coisas que não fossem : beijar, abraçar e dizer coisas bonitas no ouvido da menina.
Pois bem, depois de algumas horas naquela análise, sem nenhum progresso, resolvi deixar toda essa história pra lá, e não ficar mais preocupado, ou tentando imaginar quem poderia ter sido o desalmado que jogou uma pedra no meu telhado, e acabar acusando pessoas inocentes. Até porque, tendo agora um telhado de vidro, não é aconselhável, nem bom, jogar pedra no dos outros!