O SOLIDÁRIO VIZINHO
Minha mãe, pelos atos e fatos, bem que poderia ter pertencido à associação das mulheres protetoras dos animais. Era zelosa e prestimosa com os irracionais. Fazia com amor e desvelo.
Escrevo isto porque presenciei certa feita, minha mãe costurando o lombo de uma penosa que tinha sido estuprada por um enorme e tarado galo de espora grande e afiada. Em outra ocasião, minha mãe, sem qualquer estudo na área de medicina, recuperou pacientemente fazendo fisioterapia num gato que nasceu troncho. E eu amei quando a vi fazendo de palito de fósforo uma tala, deixando um pássaro preto com suas finas pernas em condições de uso.
Ela amava incondicionalmente os animais dedicando carinho especial quando principalmente algum deles vinha até ela suplicando ajuda.
Ela só não se embrenhou nas florestas porque tinha seus filhos para cuidar e educar.
Na redondeza, onde ela morava, todos a conheciam como o anjo bom dos animais.
Um dia, ao tentar atravessar a estrada um tatu fêmea e seus 4 filhotes foram atropelados por um caminhão. O motorista freia desesperado o caminhão, e volta correndo para ver e acudir a família que jazia esmagada no chão. Apenas uma criança escapou. Ela chorava esfaimada tentando buscar uma teta no meio de uma carcaça esmagada.
O motorista em lágrimas pega o tatuzinho e de imediato lembra-se da salvadora, do bom anjo dos animais, a dona Maria.
- Dona Maria, este tatuzinho precisa de seus cuidados e alimentação. Contou a tragédia para minha mãe e foi embora.
Minha mãe acolhe o pequeno bebê tatu galinha com cuidado esmerado, e de imediato pega um conta gota e começa injetar na goela dele porções de leite.
O tatu foi crescendo cercado de cuidados, sempre dentro de casa numa caixa grande de papelão forrada de panos.
Para aquele animal minha mãe era sua mãe. Ela pegava-o no colo toda vez que ele choramingava a um canto pedindo comida. Dava bichinhos, frutas e leite, e passava carinhosamente o dedo indicador na cabeça do tatu que fechava os olhos no ato de aceitação.
E o tatuzinho cresceu e foi levado para o lado de fora da casa e solto livre no jardim.
Ele feliz começou a cavar alguns buracos, mas sempre vinha até a boca receber a aprovação de minha mãe. Ela batia palmas para ele e conversava conversas tantas que só os dois entendiam. Minha mãe era uma poliglota, pois além do português e polonês ela falava e entendia bem o conversar tatuguês.
Todos os dias o tatu fazia-se presente na boca do buraco esperando o alimento que minha mãe trazia, e os dois batiam felizes aquele papo animal que só ele e minha mãe compreendiam.
O vizinho da casa de meus pais trabalhava com máquina escavadeira na prefeitura e era muito atencioso e solidário. Sempre pronto para o que desse e viesse.
Um dia meus pais tiveram que viajar e, é claro, recomendaram ao vizinho os cuidados da casa, mas esqueceram de recomendar ao vizinho a atenção ao tatu.
Minha mãe, antes de sair, preparou o lanche do animal para dois dias e água suficiente. Conversou o conversar de sempre fazendo algumas recomendações ao bicho. Foi um papear de despedida.
Mas viajou tranqüila.
Voltou saudosa e quase caiu de costas quando viu o muro da casa derrubado e enormes escavações pelo jardim.
Aflita procurou por entre os buracos o seu tatu. Chamou e gritou por ele. O eco de sua voz suplicante perdeu-se sem resposta na imensidão.
E aparece no portão o vizinho, como se fosse um herói , segurando numa das mãos o seu troféu e garganteia.
- Dona Maria, cuidei bem da sua casa, mas tive que agir em defesa do seu patrimônio; todo orgulhoso inicia seu papo dos efeitos heróicos praticados aguardando, quem sabe, uma medalha de honra ao mérito.
E continuou a descrição de sua aventura protetora.
- Vi alguma coisa estranha em movimento em seu quintal - enfeitava a descrição para dar maior valor ao seu ato, e continuou a narrativa:
- O bicho parecia perigoso e por isto peguei minha espingarda e descarreguei no lombo dele vários tiros. Mesmo ferido o monstro se escondeu em algum buraco – suspirou um pouco para dramatizar a história e continuou:
- Tive que buscar a retro escavadeira para desenterrar a fera.
Parou a narrativa, ergueu o troféu com a mão direita e se aproximou de minha mãe dizendo:
- Como prova da verdade que digo cá está a carcaça; a carne eu comi.
Minha mãe petrificada olhou aquilo na mão do filho de uma puta; Identificou aquela peneira reconhecendo o querido tatu que ela dedicava tanto amor e carinho. Não suportando a dor, deixou duas lágrimas rolarem pela sua face.