RIO DE JANEIRO: UMA VIAGEM AO PASSADO – PARTE I
A madrugada começava a se fazer presente na bela Cidade do Sol. Olhando para o céu claro, de estrelas cintilantes, eu segui em direção ao Aeroporto Augusto Severo que, ao me ver chegar, abriu os seus braços e me recebeu com o claro desejo de me fazer voar, acima das nuvens e, nelas, sonhar com o tempo que, há cerca de 30 anos, deixei para trás.
Enquanto fazia o check-in, o meu pensar voltou-se para as vezes em que, por força do trabalho que exercia, era obrigado a voar, duas ou três vezes por semana, naqueles pássaros de prata.
Uma sensação estranha tomou conta de mim. Não era medo, mas ansiedade, visto que estava prestes a visitar os lugares que, no início dos anos oitenta, foram tão marcantes em minha vida.
Saí do balcão da companhia e fui em direção ao cafezinho. Interessante! – foi instintivo, pois sempre fiz isso. Aeroporto, para mim, é sinônimo de um cafezinho – depois de despachar as malas na companhia aérea –, tomado em pé, no balcão, olhando para o horizonte do nada. O vai e vem de quem está em cima da hora para pegar o seu voo é algo interessante de se ver. São passos apressados que, em meio às bagagens de mão, tentam, a todo custo, pôr um pouco de ordem na luta para controlar o tempo, que transcorre rapidamente e à sua revelia – aproximando o horário do voo, e a necessidade de minutos extras para dedicar às despedidas, compensar o atraso do táxi ou o costume de sempre chegar em cima da hora e ainda dar tempo de embarcar.
Quando, finalmente, ouvi o chamado para o voo com destino a Viracopos/SP, o coração bateu mais acelerado e, de fato, as lembranças começaram a abrir as pastas da saudade de 30 anos atrás...
Fiquei à janela. É costume também. De dentro para fora, a sensação é de estar indefeso, submisso, impotente. Olhei os rostos. Nem todos estavam compenetrados. Alguns conversavam entre seus pares, porém nenhum deles demonstrava uma fisionomia plácida. Era, na minha interpretação, um misto de medo e, ao mesmo tempo, respeito por quem nos conduzia aos nossos destinos finais.
Fechei os olhos e me vi conversando com uma linda aeromoça. Ela, com o seu uniforme vermelho, trazia o cabelo preso em coque e, no alto dele, um chapeuzinho estilo coco, preso a uma fivela com pedras brilhantes, dava-lhe um ar de elegância e, ao mesmo tempo, o destaque necessário para ser tratada com nobreza e afabilidade.
Ainda de olhos fechados, o diálogo entre nós se estendeu. Dois anos. Vários voos. Várias paradas. Até a última delas. De repente, senti o peso do meu corpo de encontro ao encosto da cadeira. Abri os olhos, olhei pela janelinha e vi as luzes da pista passando rapidamente e, em segundos, sumirem na escuridão da noite. Já no alto, fazendo contorno para seguir a sua rota, aquele estranho pássaro continuava a subir, vigorosamente, buscando alcançar os seus limites e, com isso, manter-se dentro dos padrões de estabilidade, lá por cima, até chegar ao seu destino previamente traçado.
As luzes, lá embaixo, se apagaram para mim, e apenas o véu da noite se deixou ver. Olhei mais uma vez, acompanhando pelo visor do encosto da cadeira à minha frente, o trajeto que estávamos fazendo. A altitude me mostrou o quanto queremos estar perto do infinito sem que o exemplo de Dédalo e Ícaro seja levado em consideração. São outros tempos. A própria velocidade se permite encurtar os espaços e unir, por exemplo, sonhos e fantasias, apesar de que a dura realidade de cada um mostre o quanto a distância é inimiga de quem quer, além de encurtar a distância, também parar o tempo entre a despedida e o possível regresso neste mesmo tempo.
Rapidamente as três horas do trajeto foram engolidas. Ocasionalmente, eu olhava lá para baixo e via distantes de mim, cerca de onze quilômetros, as luzes das cidades por onde íamos passando. Algumas delas estavam nas pastas da saudade. Puxei o ar e encostei a minha cabeça no vidro da janela. De repente, em meio ao delírio que a profundidade me presenteava, um caminhão rodava varando a noite à procura de um aconchego em forma de mulata. Era como se fosse a aurora que nasceria dali a pouco: bela, única e cheia de encantos para dar e se ver.
Enfim, o anúncio de chegada, através cabine de comando, para os passageiros do voo, da primeira parte do trajeto em Campinas/SP. Enquanto o avião taxiava para chegar ao terminal de desembarque, eu sorri para mim mesmo. A razão: lá do fundo de uma das pastas da saudade, eu comecei a ouvir vozes, gritos e aplausos. Eram as jogadas mágicas de Marcel e Oscar – pelo Esporte Clube Sírio – no Ginásio de Esportes de Campinas, pelo Campeonato Paulista de Basquetebol. Conviver com esses monstros sagrados do basquete brasileiro foi um privilégio que trago e guardo, com orgulho, em minha trajetória profissional.
No saguão de espera – enquanto aguardava a conexão que me levaria ao Rio de Janeiro, eu me vi, novamente, absorto em meus pensamentos. A quantidade de pessoas que iam e vinham, desembarcavam e embarcavam, corriam e/ou esperavam sentadas me trouxe de volta para o que eu venho, ultimamente, tentando entender em minhas reflexões: para que tudo isso? Qual o sentido dessa busca desenfreada por tudo que nos cerca? Por que essa pressa toda?
Confesso que venho me indagando sobre três coisas que a humanidade anda perseguindo muito e que, penso eu, está, de certa forma, mudando significativamente a civilidade (de ser) de cada um de nós: o ter, o poder e o prazer.
Felizmente, o voo para o Rio foi anunciado. Evitou-me tentar, mais uma vez, compreender essa busca descomedida, diria, agressiva por mais poder, mais bens materiais, em detrimento ao planeta em que vive e, principalmente, aos seus semelhantes. Lembrou-me, lá no início – na Era dos Metais, quando ele, o homem, descobre o acúmulo de riquezas, com os materiais excedentes, e passa a exercer, através desse poder, a dominação do homem pelo homem.
De volta à aeronave. Voo rápido. Cinquenta minutos. O visual da manhã, encoberto – aqui e acolá apenas – pelas nuvens que ficam sobre o oceano, dava um colorido ímpar de quem via do alto.
Não demorou muito e avistei, em seu contorno, a ponte Rio-Niterói. Era a Cidade Maravilhosa que se aproximava, de novo, para mim. Ou eu para ela. Aquele trajeto, que a aeronave era obrigada a fazer, acompanhando quase toda extensão da ponte, para depois, já no seu final, fazer um ângulo de cento e oitenta graus e, ao voltar, avistar o Aeroporto Santos Dumont, emocionou-me.
Continua...
A madrugada começava a se fazer presente na bela Cidade do Sol. Olhando para o céu claro, de estrelas cintilantes, eu segui em direção ao Aeroporto Augusto Severo que, ao me ver chegar, abriu os seus braços e me recebeu com o claro desejo de me fazer voar, acima das nuvens e, nelas, sonhar com o tempo que, há cerca de 30 anos, deixei para trás.
Enquanto fazia o check-in, o meu pensar voltou-se para as vezes em que, por força do trabalho que exercia, era obrigado a voar, duas ou três vezes por semana, naqueles pássaros de prata.
Uma sensação estranha tomou conta de mim. Não era medo, mas ansiedade, visto que estava prestes a visitar os lugares que, no início dos anos oitenta, foram tão marcantes em minha vida.
Saí do balcão da companhia e fui em direção ao cafezinho. Interessante! – foi instintivo, pois sempre fiz isso. Aeroporto, para mim, é sinônimo de um cafezinho – depois de despachar as malas na companhia aérea –, tomado em pé, no balcão, olhando para o horizonte do nada. O vai e vem de quem está em cima da hora para pegar o seu voo é algo interessante de se ver. São passos apressados que, em meio às bagagens de mão, tentam, a todo custo, pôr um pouco de ordem na luta para controlar o tempo, que transcorre rapidamente e à sua revelia – aproximando o horário do voo, e a necessidade de minutos extras para dedicar às despedidas, compensar o atraso do táxi ou o costume de sempre chegar em cima da hora e ainda dar tempo de embarcar.
Quando, finalmente, ouvi o chamado para o voo com destino a Viracopos/SP, o coração bateu mais acelerado e, de fato, as lembranças começaram a abrir as pastas da saudade de 30 anos atrás...
Fiquei à janela. É costume também. De dentro para fora, a sensação é de estar indefeso, submisso, impotente. Olhei os rostos. Nem todos estavam compenetrados. Alguns conversavam entre seus pares, porém nenhum deles demonstrava uma fisionomia plácida. Era, na minha interpretação, um misto de medo e, ao mesmo tempo, respeito por quem nos conduzia aos nossos destinos finais.
Fechei os olhos e me vi conversando com uma linda aeromoça. Ela, com o seu uniforme vermelho, trazia o cabelo preso em coque e, no alto dele, um chapeuzinho estilo coco, preso a uma fivela com pedras brilhantes, dava-lhe um ar de elegância e, ao mesmo tempo, o destaque necessário para ser tratada com nobreza e afabilidade.
Ainda de olhos fechados, o diálogo entre nós se estendeu. Dois anos. Vários voos. Várias paradas. Até a última delas. De repente, senti o peso do meu corpo de encontro ao encosto da cadeira. Abri os olhos, olhei pela janelinha e vi as luzes da pista passando rapidamente e, em segundos, sumirem na escuridão da noite. Já no alto, fazendo contorno para seguir a sua rota, aquele estranho pássaro continuava a subir, vigorosamente, buscando alcançar os seus limites e, com isso, manter-se dentro dos padrões de estabilidade, lá por cima, até chegar ao seu destino previamente traçado.
As luzes, lá embaixo, se apagaram para mim, e apenas o véu da noite se deixou ver. Olhei mais uma vez, acompanhando pelo visor do encosto da cadeira à minha frente, o trajeto que estávamos fazendo. A altitude me mostrou o quanto queremos estar perto do infinito sem que o exemplo de Dédalo e Ícaro seja levado em consideração. São outros tempos. A própria velocidade se permite encurtar os espaços e unir, por exemplo, sonhos e fantasias, apesar de que a dura realidade de cada um mostre o quanto a distância é inimiga de quem quer, além de encurtar a distância, também parar o tempo entre a despedida e o possível regresso neste mesmo tempo.
Rapidamente as três horas do trajeto foram engolidas. Ocasionalmente, eu olhava lá para baixo e via distantes de mim, cerca de onze quilômetros, as luzes das cidades por onde íamos passando. Algumas delas estavam nas pastas da saudade. Puxei o ar e encostei a minha cabeça no vidro da janela. De repente, em meio ao delírio que a profundidade me presenteava, um caminhão rodava varando a noite à procura de um aconchego em forma de mulata. Era como se fosse a aurora que nasceria dali a pouco: bela, única e cheia de encantos para dar e se ver.
Enfim, o anúncio de chegada, através cabine de comando, para os passageiros do voo, da primeira parte do trajeto em Campinas/SP. Enquanto o avião taxiava para chegar ao terminal de desembarque, eu sorri para mim mesmo. A razão: lá do fundo de uma das pastas da saudade, eu comecei a ouvir vozes, gritos e aplausos. Eram as jogadas mágicas de Marcel e Oscar – pelo Esporte Clube Sírio – no Ginásio de Esportes de Campinas, pelo Campeonato Paulista de Basquetebol. Conviver com esses monstros sagrados do basquete brasileiro foi um privilégio que trago e guardo, com orgulho, em minha trajetória profissional.
No saguão de espera – enquanto aguardava a conexão que me levaria ao Rio de Janeiro, eu me vi, novamente, absorto em meus pensamentos. A quantidade de pessoas que iam e vinham, desembarcavam e embarcavam, corriam e/ou esperavam sentadas me trouxe de volta para o que eu venho, ultimamente, tentando entender em minhas reflexões: para que tudo isso? Qual o sentido dessa busca desenfreada por tudo que nos cerca? Por que essa pressa toda?
Confesso que venho me indagando sobre três coisas que a humanidade anda perseguindo muito e que, penso eu, está, de certa forma, mudando significativamente a civilidade (de ser) de cada um de nós: o ter, o poder e o prazer.
Felizmente, o voo para o Rio foi anunciado. Evitou-me tentar, mais uma vez, compreender essa busca descomedida, diria, agressiva por mais poder, mais bens materiais, em detrimento ao planeta em que vive e, principalmente, aos seus semelhantes. Lembrou-me, lá no início – na Era dos Metais, quando ele, o homem, descobre o acúmulo de riquezas, com os materiais excedentes, e passa a exercer, através desse poder, a dominação do homem pelo homem.
De volta à aeronave. Voo rápido. Cinquenta minutos. O visual da manhã, encoberto – aqui e acolá apenas – pelas nuvens que ficam sobre o oceano, dava um colorido ímpar de quem via do alto.
Não demorou muito e avistei, em seu contorno, a ponte Rio-Niterói. Era a Cidade Maravilhosa que se aproximava, de novo, para mim. Ou eu para ela. Aquele trajeto, que a aeronave era obrigada a fazer, acompanhando quase toda extensão da ponte, para depois, já no seu final, fazer um ângulo de cento e oitenta graus e, ao voltar, avistar o Aeroporto Santos Dumont, emocionou-me.
Continua...