A ditatura da fome
A ditadura acabou. Assim pensamos. Hoje respiramos aliviados porque aqueles tempos sombrios não existem mais. No entanto, esquecemos que a ditadura da fome está aí, bem abaixo de nossos olhos. Mais discreta e eficaz. Não custa nada. Não é preciso mobilizar exércitos, nem policiais. Apenas basta deixar que a maioria do povo passe fome. Ninguém é poupado. Crianças ainda no ventre têm o seu alimento negado. Mães, avós, filhos. Todos são sacrificados. A miséria é a arma mais tenebrosa e covarde que os governantes podem apontar para um povo. Não há como se defender dela. Como uma criança pode pensar, refletir e aprender se o seu estômago dói? Se a única coisa que pensa é: Quando será a próxima refeição? Como um pai pode ter dignidade se não sabe o que será de seus filhos? Sem segurança, sem futuro. O que será deles? O que será dele mesmo? Como lutar contra algo que é invisível? Algo que não empurra você fisicamente. Não o tortura, não o persegue explicitamente, mas está presente sempre. Tirando um pedaço a cada dia. Aniquilando sua vontade de viver, de lutar. Empurrando-o para o abismo seja ele revestido de bebidas, drogas ou ignorância religiosa, não importa. Quando a fome ataca, cruel e implacável, poucos são os que resistem. Raros são aqueles que mantém sua esperança na vida e seguem adiante. Fracos os que ficam pelo caminho? Não. Apenas humanos. Iguais aos poucos humanos que detém o poder e o destino de tantos. Será que estes que estão no poder por tantos anos e, em todos os cantos do mundo, será que eles resistiriam? Será que seriam fortes o suficiente para derrotar a fome? Enfrentariam o descaso da sociedade? Esta sociedade que vive de olhos fechados para tudo. Voltada apenas para a satisfação imediata. Alimentando esse monstro do consumismo sem nem se perguntar: Se era isso mesmo o que queriam? E se a satisfação dura tão pouco porque insistimos neste consumo desenfreado? Estamos, acaso, tentando suprir um vazio interior? Sanar uma alma frívola e inquieta? Será que é isso que nos leva a ser tão “desumanos” e tão indiferentes ao sofrimento de nosso próprio povo? Este povo que não está tão distante de nós, não está apenas nos noticiários dos jornais e da TV, mas está, talvez, ali na esquina ou no outro quarteirão. Ou quem sabe. esteja até mesmo em nosso círculo familiar ou de amigos? E cegos que estamos não percebemos. Perdidos em nossos próprios desejos e problemas falta-nos “tempo” para reparar no outro. O outro que não é tão outro, mas apenas uma extensão de nós mesmos, do que somos como humanidade. Se fosse possível por apenas alguns segundos estarmos na pele e na mente deste pai ou desta criança que passa fome, todos os dias. Se pudéssemos sentir o que sentem. A incapacidade. A dor. A falta de ânimo e força, talvez. Talvez, conseguíssemos enfrentar estes poucos humanos que se acham no direito de infligir ao mundo sua ditadura.