Humanos descartáveis
Hoje percebi que faço parte do irrestrito mundo dos humanos descartáveis. Aquele tipo de pessoa que só interessa, enquanto está servindo a alguém. Terminada a sua função, ninguém se lembra dela. Pode ser que nem mesmo lembrem do seu nome. Assim somos, nós, os humanos descartáveis para esta sociedade que, insiste em discursos de humanização, de amor ao próximo, de vida sustentável, enquanto segue cega sobre si mesma, sobre sua crua realidade. Realidade esta que é mais fácil ignorar por ser mais confortável, cômodo. Ninguém quer ver a si mesmo como explorador, egoísta e usurário. A ilusão de que somos nobres, caridosos e, que olhamos para todas as pessoas da mesma maneira nos impede de mudar. E quando me refiro a nós, estou fazendo menção a todos nós, enquanto sociedade, pois os “humanos descartáveis” também, em sua maioria, ignoram a sua condição e, também ignoram aos outros humanos descartáveis. Querem um exemplo? Quem de vocês olha nos olhos do atendente do supermercado ou da farmácia? Quem cumprimenta o motorista do ônibus ou cobrador? Você, ao menos, lembra do rosto de um deles? Se você responder que: sim, ótimo. Bem vindo ao mundo restrito e pequeno das pessoas que, ainda podem fazer a diferença. Mas, advirto, não é fácil. Nem sempre a moça da venda da esquina ou o motorista do ônibus enxergam você. Geralmente, eles também o vêem como um “humano descartável”, apenas mais um que precisam atender para realizar o seu trabalho. E este é o mundo em que vivemos, diferente do mundo da novela das nove ou dos seriados americanos. Não somos galãs ou heróis, somos sobreviventes. E, como tais, desde cedo, aprendemos que: o que importa é o que está servindo para alguma coisa ou servindo-nos, o resto pode ser tranqüilamente ignorado, esquecido. Ninguém nos disse ou ensinou, aprendemos com os exemplos. Assistimos aos nossos avós e pais tratarem a moça da limpeza ou o vendedor da loja com desprezo e indiferença. Ouvimos os discursos sobre: o quanto está caro pagar um funcionário, e como poderiam fazer para não pagar integralmente. E, assim aquela pessoa que, talvez, olhávamos com carinho, passou a ser dali por diante, apenas o “funcionário que custa caro”, o vilão, o sujeito que está tirando-nos algo. Mais tarde, quando somos os patrões ou os gerentes, reproduzimos os mesmos discursos, e praticamos a mesma cartilha, ignorando que este “humano descartável” também possui uma família, e antes disso, possui sentimentos, incertezas, medos. Não foi ele quem inventou o sistema patrão-empregado e a tão temida “carteira de trabalho”, ele apenas segue as regras, assim como você. E, convenhamos, mesmo que as regras fossem diferentes, mais maleáveis e sem tantos direitos, mesmo assim, existiriam as mesmas reclamações do “custo” deste empregado. Sempre foi assim, não? Até mesmo os piores escravocratas não se conformavam com o gasto de seus escravos, e por isso, convenientemente, trataram de aderir a abolição.