Consultando os Veteranos
Consultando os Veteranos
Como eu tinha uns afazeres na paróquia São Luis, na Paulista, não seria de se estranhar que, a alguns metros dali, na larga calçada, eu indagasse ao funcionário se aquela máquina ao lado dele era um aspirador. Ele me disse que sim, e que servia para aspirar bituca de cigarros e papéis amassados. O negócio era do tamanho de um filhote de elefante, sem exagero. Perguntei se era barulhento e ele deu a entender que era ensurdecedor. Ótimo, pensei, mais uma traquitana para roer nosso precário equilíbrio. Então ele me contou que existe outra dessas, só que com assento de motorista.
Os veteranos já ouviram falar num troço desses, do tamanho de um paquiderme filhote?
De lá fui até a livraria Cultura. É um pulinho. Quanto mais São Paulo cresce, mais eu encolho. Lá me deparei com um dos melhores títulos que já vi, de Rubem Alves – “Ostra Feliz Não Produz Pérolas”. Vero. O que me levou a concluir que a felicidade impera em toda a parte.
Mais dois minutos e, sob o vão do Masp, alguém gastou uma nota preta em cartazes tamanho família, expressando que São Paulo será totalmente destruída em 20 de dezembro deste ano. Outro cartaz sugere estoque de alimentos. Tudo isso deu pra ler do ônibus, sem esforço, do outro lado da avenida. Pensei numa HQ, antiga, afinal, o que há de novo?
A livraria Cultura ocupou o antigo cine Astor e deste só sobrou a rampa. Vivi muitas vidas naquele cinema, da infância aos 33, acho que a última vez que estive lá foi para assistir “Os Imperdoáveis”. Honestamente me intriga o fato de alguém falar que a literatura está nas últimas e que ninguém mais lê livros grossos. Ora essa, faça o favor, tome um metrô a qualquer hora do dia, em qualquer dia, e verás a quantidade de usuários com a cara colada em polpudas brochuras, e não são livros técnicos ou de auto ajuda. Vêem-se romances de tudo que é parte, dos modernos aos clássicos.
Mais dois minutos e, com certo esforço, é possível ver a bicicleta pintada de branco do outro lado da calçada. Marco pela morte de um ciclista em 2009. Esse ano, uma ciclista perdeu a vida por ali.
Perguntarei aos veteranos se em 1980 morriam tantos ciclistas assim. Os jornais de ontem disseram que a estatística é de um por dia. Para quem não tem conexão com o assunto, eis uma conta fácil de fazer.
Em 1948, Ray (Charles) precisou tomar o ônibus para Seattle, viagem esta que seria a pedra angular de seu destino. O motorista olhou para ele e com outras palavras disse: nem a pau, Juvenal, que eu vou ser babá de um cego por mais de 5.000 quilômetros. Ray disse que pagou a passagem e que era seu direito entrar naquele ônibus. O motorista caucasiano, corpulento, senhor de si no dissimulado apartheid de 1948 quis engrossar o caldo, quando Ray sibilou algo como: tenha dó, perdi a visão no Desembarque da Normandia. Era a senha e seu passaporte para o extremo norte americano. Ray perdera a vista aos 7 anos de idade...
Todo veterano precisa de senha.
Espero que não venham idosos para a Copa porque, vou te contar, nosso transporte público ainda vai virar modalidade olímpica, menos para motoristas e cobradores e sim, aliás absolutamente, para os transportados.
Bem, não é a literatura que vai mal das pernas e sim a música. Veterano de verdade sabe bem das entranhas musicais que experimentou em águas passadas para a pobreza atual. Não será de se espantar se alguém lançar um blogue ou site com a chamada: ouça as nossas músicas, elas tem poucas notas, não tem arranjos e nem melodia, ouçam, por favor, acessem... Uau, isso vai fazer sucesso.
São Paulo cresceu demais para ser regida por um único prefeito, essa é minha modesta opinião, e mesmo que ninguém tenha perguntado nada, por hora nada me impede de extravasá-la.
Anteontem na TV, foi muito rápido, não deu para ver o nome, alguém dizia sentir uma certa vergonha pelo fato de construírem estádios e não escolas. O assunto era a Copa...
Os veteranos já passaram da fase coração e mente. Também já vivenciaram, inúmeras vezes, os estágios de nascimento, prova, o desafio e a lição. Então, afinal, qual é o próximo passo na espiral? Ouvi algo assim outro dia: permitir-se um tipo de integração que conduz ao invés de ensinar.
Palavras...
Encerramos com uma citação:
“Que eu me atreva a pairar como uma lua cheia sobre os seus sonhos”.
(Imagem: Fredrik Raddum)
Consultando os Veteranos
Como eu tinha uns afazeres na paróquia São Luis, na Paulista, não seria de se estranhar que, a alguns metros dali, na larga calçada, eu indagasse ao funcionário se aquela máquina ao lado dele era um aspirador. Ele me disse que sim, e que servia para aspirar bituca de cigarros e papéis amassados. O negócio era do tamanho de um filhote de elefante, sem exagero. Perguntei se era barulhento e ele deu a entender que era ensurdecedor. Ótimo, pensei, mais uma traquitana para roer nosso precário equilíbrio. Então ele me contou que existe outra dessas, só que com assento de motorista.
Os veteranos já ouviram falar num troço desses, do tamanho de um paquiderme filhote?
De lá fui até a livraria Cultura. É um pulinho. Quanto mais São Paulo cresce, mais eu encolho. Lá me deparei com um dos melhores títulos que já vi, de Rubem Alves – “Ostra Feliz Não Produz Pérolas”. Vero. O que me levou a concluir que a felicidade impera em toda a parte.
Mais dois minutos e, sob o vão do Masp, alguém gastou uma nota preta em cartazes tamanho família, expressando que São Paulo será totalmente destruída em 20 de dezembro deste ano. Outro cartaz sugere estoque de alimentos. Tudo isso deu pra ler do ônibus, sem esforço, do outro lado da avenida. Pensei numa HQ, antiga, afinal, o que há de novo?
A livraria Cultura ocupou o antigo cine Astor e deste só sobrou a rampa. Vivi muitas vidas naquele cinema, da infância aos 33, acho que a última vez que estive lá foi para assistir “Os Imperdoáveis”. Honestamente me intriga o fato de alguém falar que a literatura está nas últimas e que ninguém mais lê livros grossos. Ora essa, faça o favor, tome um metrô a qualquer hora do dia, em qualquer dia, e verás a quantidade de usuários com a cara colada em polpudas brochuras, e não são livros técnicos ou de auto ajuda. Vêem-se romances de tudo que é parte, dos modernos aos clássicos.
Mais dois minutos e, com certo esforço, é possível ver a bicicleta pintada de branco do outro lado da calçada. Marco pela morte de um ciclista em 2009. Esse ano, uma ciclista perdeu a vida por ali.
Perguntarei aos veteranos se em 1980 morriam tantos ciclistas assim. Os jornais de ontem disseram que a estatística é de um por dia. Para quem não tem conexão com o assunto, eis uma conta fácil de fazer.
Em 1948, Ray (Charles) precisou tomar o ônibus para Seattle, viagem esta que seria a pedra angular de seu destino. O motorista olhou para ele e com outras palavras disse: nem a pau, Juvenal, que eu vou ser babá de um cego por mais de 5.000 quilômetros. Ray disse que pagou a passagem e que era seu direito entrar naquele ônibus. O motorista caucasiano, corpulento, senhor de si no dissimulado apartheid de 1948 quis engrossar o caldo, quando Ray sibilou algo como: tenha dó, perdi a visão no Desembarque da Normandia. Era a senha e seu passaporte para o extremo norte americano. Ray perdera a vista aos 7 anos de idade...
Todo veterano precisa de senha.
Espero que não venham idosos para a Copa porque, vou te contar, nosso transporte público ainda vai virar modalidade olímpica, menos para motoristas e cobradores e sim, aliás absolutamente, para os transportados.
Bem, não é a literatura que vai mal das pernas e sim a música. Veterano de verdade sabe bem das entranhas musicais que experimentou em águas passadas para a pobreza atual. Não será de se espantar se alguém lançar um blogue ou site com a chamada: ouça as nossas músicas, elas tem poucas notas, não tem arranjos e nem melodia, ouçam, por favor, acessem... Uau, isso vai fazer sucesso.
São Paulo cresceu demais para ser regida por um único prefeito, essa é minha modesta opinião, e mesmo que ninguém tenha perguntado nada, por hora nada me impede de extravasá-la.
Anteontem na TV, foi muito rápido, não deu para ver o nome, alguém dizia sentir uma certa vergonha pelo fato de construírem estádios e não escolas. O assunto era a Copa...
Os veteranos já passaram da fase coração e mente. Também já vivenciaram, inúmeras vezes, os estágios de nascimento, prova, o desafio e a lição. Então, afinal, qual é o próximo passo na espiral? Ouvi algo assim outro dia: permitir-se um tipo de integração que conduz ao invés de ensinar.
Palavras...
Encerramos com uma citação:
“Que eu me atreva a pairar como uma lua cheia sobre os seus sonhos”.
(Imagem: Fredrik Raddum)