Você é o que você consome
Eu estava quinze minutos adiantada para o trabalho: situação que embora me agrade pelo fato de detestar estar em desarmonia com o relógio, é um convite para consumar o pecado da gula. Dessa vez, não foi diferente. Passei no mercado utilizando o pretexto da hora, mas de olho no lanche da tarde e, mesmo naqueles cinco minutinhos entre a prateleira e o caixa, percebi o quanto uma ação simples e cotidiana pode fazer grandes revelações.
Enquanto aguardava na fila para pagar o meu pacote de bolacha água e sal e três barrinhas de cereais, era precedida por um homem alto, na casa dos 30 e poucos anos. Ele começou a largar as compras no caixa: uma garrafa de Coca-Cola, uma de água, dois pacotes de Doritos, um de Fandangos e uma embalagem de Hot Pocket. Certamente, ele não era o melhor exemplo de alimentação saudável.
Em apenas meia dúzias de produtos, ele já me dava pistas da sua vida: morava sozinho, não fazia compras para um almoço ou jantar em família, nenhum ítem que identificasse uma refeição especial para duas pessoas. Bem vestido, pagou tudo com o cartão, débito em conta, solicitou o tíquete de estacionamento. Não possuía aliança em nenhuma das mãos, aparentava estar com pressa e fazia compras às dez pra uma da tarde. Olhou três vezes para o relógio de marca, guardou o cupom fiscal das compras e não moveu um músculo sequer para empacotar as novas aquisições. A última atitude, por si só, já dizia muito sobre a sua personalidade. Qual o problema de pegar uma sacolinha e guardar as suas compras se, naquele momento, não tiver um empacotador para fazer isso?
Saiu apressado carregando uma sacola na mão esquerda e a garrafa d’água na direita. Não trocou uma palavra comigo, nem com a menina do caixa – que, cá entre nós, não sabia o que era um “boa tarde”, tampouco o significado de simpatia com os clientes -, mas eu já sabia uma porção de coisas a seu respeito.
Naquele momento, pensei que as outras pessoas poderiam saber muito sobre mim também. Uniforme da empresa, fone de ouvido, aquela velha cara de poucos amigos, esmalte descascando nas unhas – oriundo da falta de tempo para retocá-lo, mas que poderia ser interpretado como desleixo -, bolsa grande e abarrotada de coisas, comprinhas lights pagas com uma nota de dez reais deixada propositalmente no bolso de trás de calça, cabelos bagunçados presos em um coque deixando à mostra os quatro brincos na mesma orelha, relógio grande no pulso esquerdo. Respondi com um “não” impaciente ao “você não teria 10 centavos trocado?” da atendente, guardei as compras na sacola e saí.
O que a mulher que estava atrás de mim na fila teria pensado? Boa ou má impressão? Não que eu seja aquela pessoa que vive em função da opinião dos outros ou dependa dela para tomar minhas decisões, mas foi o tipo de situação que me deixou curiosa. Interessante notar como a gente diz muita coisa sem nem precisar abrir a boca pra isso.