Uma História Moderna
O Fim De Semana
Escondida entre as dobras do algodão, não queria buscar mais nada. Apenas lia e relia os que vieram antes dela. Os que tão bem souberam descrever a velha desilusão.
No quarto, as horas do relógio seguiam sem emoção; trocavam-se umas pelas outras, implacáveis e indiferentes, numa marcha antiga. Os olhos fugiam do espelho.
Deixara-se ficar ali durante todo o final de semana, noite e dia, numa tentativa patética de fuga.
Pensou até numa terapia. Adiantaria ?? Ela não tinha certeza. Foram tantos os conselhos, todos tão gentilmente cedidos pelos amigos.
Sentiu vontade de gritar!
Fim do Fim de Semana
Desprende-se das dobras do algodão onde se enterrara e arrasta corpo e alma para o chuveiro.
Depois do banho misericordioso de água e lágrimas, compõe o personagem: corretivo, base, pó, batom, blush, rímel, perfume.
Arruma a bolsa. Pega a chave do carro.
Os óculos de sol ajudam no disfarce.
Enfrenta o trânsito da segunda-feira: primeira, segunda, desvio, buzina, freada, farol*. Acrobacias inexatas, balas, flanelas, pedidos, tudo ali na sua frente.
No peito uma cratera maior do que a da tragédia do metrô**; nos ombros toda a carga das mulheres do mundo.
Não há uma única vaga na rua.
O edifício engole os incautos que se aproximam. Sorri para o zelador um sorriso moderno arrancado do fundo da alma milenar. Caminha para o elevador.
Bom dia!
*farol, semáforo, sinaleira
**desabamento com vítimas em obra do metrô de São Paulo