Naquele dia, o fim da tarde me reservava a companhia de uma velha amiga. E entre um gole e outro, nós falávamos sobre a vida. E rendeu histórias...

Entramos e saímos de um assunto. Voltamos, pensamos ter concluído; recordamos. Parecíamos duas tecelãs, para ser exato éramos a própria Moça Tecelã contada por Marina Colasanti¹, que com toda delicadeza literária, fala-nos das “lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, em longo tapete que nunca acabava”.

Bem assim, nós estávamos... tecendo um tapete de boa conversa que parecia não encontrar o fim. E nem precisava!

Sei que sem planejar; assim! De supetão, começamos a falar das lãs, de cores frias. Daquelas que usamos nos dias cinzas e nublados. E como quem não quer nada, fomos tecendo uma manta quente o bastante para agasalhar a tristeza. A minha tristeza.

E me botei a tecer...

Falei da dor que violou a minha intimidade. Que fez desordem na minha morada, que arrancou tudo, tudo do lugar. A dor bomba-relógio preste a dinamitar as estruturas erguidas com o suor do trabalho. Contei do estrago. Da cena de horror. Do caos instaurado. Do medo de sentir medo de 'me fechar em copas', rodeado por correntes grossas, preso por cadeados inquebráveis. E depois de tudo isso, confessei o pavor de ter lançado fora a chave da libertação. E o que seria de mim?! O que seria?!

Mas, aí... ela, a minha amiga, era melhor tecelã do que eu. E naquele início de noite, com os olhos pousados sobre os meus, a amiga começou a tecer palavras lindas para alimentar minh’alma. E eu ouvi sua voz dizer que a dor era inevitável, mas sofrer era uma opção.

Eu só me regozijava vendo-a trabalhar na linda peça de lã. E foi, durante algum tempo, tecendo e falando numa simples capacidade típica dos sábios. Relembrou-me sua jornada, fazendo-me olhar para o passado apontando com sinceridade as várias vezes que, ao longo da vida, ela havia caído. E com as mãos ágeis, a amiga me perguntou: “E o que a gente faz quando cai”?

Antes que eu respondesse, ela continuou... agora com a resposta!

“Você se levanta, afinal todo mundo sabe se levantar”. Simples não é mesmo ?!

Na verdade durante os dias, as semanas, os meses, os anos que a vida tem para tecer nossa história; pode acontecer da linha romper, quebrar... cair. E voltar a se levantar talvez custo muito por acharmos que já não existe nenhuma força. E que a esperança esteja minada por completa. Nesse caso, restar-nos-ia a impossibilidade de se colocar em pé.

Mas, a vida é benevolente e com o seu tear nos convida a tentar novamente, e novamente, e novamente... pois, o fim não é o chão! O que realmente importa é como vamos terminar.

Faz sentido em desistir, ainda que a tristeza pareça ser maior que tudo?

A vida, assim como a Moça Tecelã, às vezes sem “escolher linha nenhuma, segura a lançadeira ao contrário, joga-a veloz de um lado para o outro, e começa a desfazer seu tecido”.

A desfazer?
É.
Para começar tudo outra vez...

 
 

 
Fonte/Imagem: Google
 


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¹Marina Colasanti (1938) nasceu em Asmara, Etiópia, morou 11 anos na Itália e desde então vive no Brasil. Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis. Recebeu o Prêmio Jabuti com Eu sei, mas não devia e também por Rota de Colisão. Dentre outros escreveu E por falar em amor, Contos de amor rasgados, Aqui entre nós, Intimidade pública, Eu sozinha, Zooilógico, A morada do ser, A nova mulher (que vendeu mais de 100.000 exemplares), Mulher daqui pra frente, O leopardo é um animal delicado, Esse amor de todos nós, Gargantas abertas e os escritos para crianças Uma idéia toda azul e Doze reis e a moça do labirinto de vento. Colabora, também, em revistas femininas e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. (Fonte: www.releituras.com)
 
 
Toni DeSouza
Enviado por Toni DeSouza em 14/03/2012
Reeditado em 27/01/2016
Código do texto: T3554836
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