5 Pila
Era mais uma terça-feira - gorda. Daquelas que a gente nunca lembra. Daquelas que nunca acontece nada de casual. Daquelas que, inesperadamente, como que sem motivos acontece algo que me lembro bem.
Estava deitado na cama, 3 horas da tarde, sonolento, ouvindo rádio. De repente, opacidade e... escuridão. Ué! Devo ter cochilado, penso ao recuperar a razão. Bem... Ainda é dia, pois o sol trespassa os meus olhos ainda fechados. Lentamente, abro-os. Vejo o piso claro, a borda da cama, a parede branca, o lençol verde, meu chinelo e... outro par de chinelos, só que agora com pés assaz peludos calçando os mesmos?! - Um hobbit?! – é o primeiro pensamento súbito.
Percorro os olhos pelo corpo, do qual aqueles pés pertenciam, com a mesma parcimônia dos filósofos gregos e percebo um sujeito de barba por fazer, baixo e dono de um olhar bovino. Fico sem reação. Estático. O sujeito? Corre porta afora. Eu, ainda sem reação, tento calçar os chinelos, todo atrapalhado me enrolo neles, no lençol e caio. PLOCK!!! Não sei se é uma boa onomatopéia, mas o som do meu corpo no piso frio foi bem assim. Mesmo um pouco confuso, continuo a perseguir o meliante. Saio batendo em portas e janelas, piso no rabo do gato – pedra no meio do caminho, - derrubo o chimarrão do criado-mudo, mas não há tempo... Está longe e eu de pés descalços. Maldito. Faço sinal e grito para alguns homens do boteco para que parem-no, pois seria um ladrão em potencial, não sou levado a sério. Eles apenas dão boas galhofadas e ainda dizem: Corre, 5 pila, corre!
5 pila? Por que 5 pila? Não sei, mas decidi verificar o cofrinho. Ahh se houvesse dinheiro faltando... não sei o que faria. Maldito! Maldito! Eu sempre deixava algumas notas em cima da estante. Deve ter tido tempo de ir até a prateleira da cozinha. Devia ter pegado antes de me ver dormir e, afinal, por que me olhava dormindo? Coisa de louco, só pode. Tá, vamos ver... Dinheiro do Buda, certo. Estante, cofrinho, prateleira, CDs e DVDs... certo. O que ele estava fazendo se não levara nada?! Também, poderiam ser só 5 reais. Que mal há? É um dinheiro de merda. Não dá nem pro refrigerante direito. Bem, deixa pra lá...
A vida continua foi apenas um mal entendido. Mas... Que cheiro é esse? Hmm... Hmm... De onde vem?! Ah! É da garagem. Era só o que faltava. Lá estava. Um presente. Ele não havia roubado nada. Era um sujeito honesto, simples e caridoso até. Havia deixado um presentinho... E... eu percebia o erro. Não era 5 pila que gritavam os farofeiros do bar, mas sim “5 pilha”. Não falei que neste país 5 pila é um dinheiro de merda.