Dia Nacional do Ateu

Nada me agrada mais do que refletir sobre o comportamento humano. Para mim a existência de Deus tal qual prescrevem em todas as crenças começou a não fazer sentido diante da história e dos noticiários. Os noticiários seguem afagando as crendices com delicada ambição porque auferem em muitos casos da massa falida desesperada, para lhes impor um caminho até a salvação em nome da melhor audiência. Mas é informação de pouca reflexão e ao sabor dos ventos.

Desde menino fui levado ao templo onde caminhei sem esquecer da capacidade humana do desvendamento. Era falta de respeito questionar os dogmas e é exatamente o que se deve fazer quando se estuda a história das religiões. Cuidei com modos educados do tempo em que havia fartura de ingenuidade primitiva em minha alma infantil. Cuidaram de esquecer para mim os massacres sangrentos das guerras religiosas do passado e do presente. Quando eu nasci à guerra do Vietnã havia começado e era bem novo quando ela terminou. O sangue dos mortos escorria pela voz do Cid Moreira. A mesma voz que narraria a bíblia como prêmio de consolação.

Mas a discrição está fora de moda. Tudo deve ser consumido de modo escancarado. Vivemos a ideia de que devemos nos tornar pessoas explícitas. (Retornarei ao tema das pessoas explícitas em outra ocasião). Se Deus insiste em existir ele reside no segredo dos mortos. No sinal de completo abandono dos mortos e para a mais completa desimportância da dor que existe no mundo. Ou ele é aquele cínico que se diverte em criar o sofrimento para depois lançar tudo na desgraça da finitude. Temos ainda a visão do poder que associa Deus as desculpas esfarrapadas: sem dor não há glória. Danem-se! Pode não haver glória, mas é preferível sempre a ausência da dor. Deus deve ser paralelo aos mortos que nada sentem. Um grande impulso imaginário para quem se permite a hipnose da própria imaginação.

Quais razões levam o homem a gritar, andar pelas ruas, fazer parte de igrejas até consumir industrialmente a fé que lhe pertence como num espelhamento? Insegurança, insatisfação, pobreza, medo de não estar aliado à maioria, etc. Tenho comigo que os ateus são os verdadeiros religiosos do nosso tempo graças à capacidade subjetiva de estar consigo diante do mundo. Gosto dos ateus porque sinto neles o retorno ao direito da suma discrição. Ser discreto é o primeiro degrau para atingir a si próprio. O ateu não levanta bandeiras, não tem lucro nenhum com a sua fé, não possui televisões, não imprimiu bilhões de livros com a sua predileção imaginária, não causou danos à sociedade por ser ateu e desconheço uma guerra que tenha sido deflagrada por um ateu. Na verdade é discriminado porque em todas as fichas institucionais querem saber dele qual religião se tinge com as cores de bonzinho. Religião é carteira de identidade.

O ateu não é exibicionista espiritual. Isto é por si só divino. Gosto de brincar dizendo que não sou ateu, sou filosofo. O ateu é inteiramente filósofo da realidade humana porque não possui a mais valia da imaginação enclausurada no vazio. O vazio prenhe de sustos, medos, neuroses, proibições, leis que mal são cumpridas. Ele compreende a fragilidade humana. Pesa sobre o ateu a comoção imbecil de que é criatura triste, desolada, infiel, marginal. Procure no calendário o Dia Nacional do Ateu nessa festa das efemérides. Não tem.

Sábio porque compreende e a fé é a antítese da compreensão, da análise e do exame acurado, pois rezar é uma forma de não pensar momentaneamente. Só o ateu sabe o quanto todas as representações abstratas nascem da faminta carência afetiva do homem para com a humanidade. É a compensação mágica e isto desenha no retrato dos ateus a face de um herói silencioso e proibido pela mídia dos fantásticos consumos.

Respeitem os ateus. Eles guardam a verdadeira humildade para com as coisas abstratas. Ou alguém vai me dizer que é humilde ter Deus no coração?

Tércio Ricardo Kneip
Enviado por Tércio Ricardo Kneip em 14/03/2012
Código do texto: T3553228
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