Verdade ou mentira?

     Olho pro Davi, meu neto, e me lembro do Davi da Bíblia! O Davi, meu neto, um downzinho sapeca, ousado e envolvente é para o avô coruja - na exuberância dos seus sete anos de idade -, uma permanente fonte de aprendizado e inspiração.
     Acompanhando seu crescimento, vou sabendo, a cada dia, por que os portadores da síndrome de Down são chamados de "especiais".
     Conhecê-los na intimidade: somente assim será possível fazer uma avaliação sincera sobre eles e sobre o mundo que eles constroem e vivem intensamente. 
      Pois bem. Olhando o seu retrato mais recente, encontrei, no seu sorriso franco e ingênuo, a inspiração que precisava para escrever uma crônica, em tempos de Quaresma.
     Não imaginem, jamais, que pretenda compará-lo com o Davi da Bíblia. Embora, vale revelar, seu nome seja uma homenagem ao lendário rei de Israel.
     Até queria, não nego, que do Davi da Bíblia, ele herdasse pelo menos a coragem. Para que, com destemor, possa, pela vida afora, enfrentar com altivez o preconceito que ainda existe contra "os especiais".
     Vejam. Pouco tempo atrás, botando-o para dormir, ele pediu que lhe contasse "uma historinha".
     Contar estórias, confesso, nunca foi o meu fraco. Diria que sempre gostei de escutá-las; desde que elas me interessassem, claro.
     Mas, na vida, tive que contar muitas histórias!
     Como pai presente, fui, várias vezes, chamado a improvisá-las. 
     Como avô, tento fazer o mesmo. 
     Cauteloso, porém, porque a garotada de hoje, desde a mais tenra idade, sabe quando uma história é verdadeira ou não passa de uma solene mentira.
     Tive que atender ao Davi. 
     Procurei, na memória cansada, o que lhe pudesse contar; nem que fosse uma mentira que se aproximasse o máximo da verdade.
      Resolvi, então, contar-lhe a história do rei  Davi. Achei que essa história iria lhe interessar. Seus olhos, ligeiramente amendoados, pareciam dizer que sim, ao anunciá-la. Para minha surpresa, pois, imaginava-o pronto para cair no sono.
     Entre um cochilo e outro, fui lhe dizendo que, há muitos séculos, muito antes de Jesus nascer, um franzino pastor de ovelhas, que tinha o seu nome, matara com uma pedra, um gigante chamado Golias. 
     E ele: "Como!!!!?..."
     Prossegui: Golias desafiou Davi para um duelo e Davi não fugiu da raia: aceitou o convite. 
     O pastor tinha uma funda. Foi num lago próximo e apanhou uma pedra. Colocou-a na sua funda, e arremessou-a contra o gigante, ferindo-o mortalmente.
     E o Davi, meu neto, fechando os olhinos, deixou claro que só acreditava naquela história porque era o avô que lhe contava.
     Desconfiara da lenda; como, aliás, muita gente grande também o faz. Não é fácil acreditar, de pronto, nessa passagem bíblica. 
     Mas ela está no AntigoTestamento, ou mais precisamente, nos Livros de Samuel.
     Ah, faltou dizer-lhe que o Davi da Bíblia era um cara doido por mulheres... que cometera até um adultério! 
     Mas era um homem alegre. Tocava harpa para tirar Saul, seu rei, da depressão. 
     E que, pela sua ousadia e audácia, chegou a ser o rei do seu povo.
     Tem nada não. Quando ele crescer, lhe contarei as peripécias amorosas do nosso Rei Davi, seu xará.
     

      
     
      
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 12/03/2012
Reeditado em 13/03/2012
Código do texto: T3550291