MACARRÃO NEURÓTICO
Quando minha mulher pediu o divórcio há duas semanas, dei uma colherada no moussé de maracujá.
“Você já encontrou um lugar decente pra morar?”. Foi a minha única reação, entre a resposta e outra colherada de moussé, que estava uma delícia.
Conheço pessoas que se desesperariam, se ajoelhariam num desfiar de ladainhas românticas e argumentos dialéticos. Foram 13 anos ao todo de casamento e ainda que não tivéssemos filhos, eu a amava, admito.
Apenas me preocupei com sua segurança, pois o apartamento estava no meu nome e o regime era de separação total de bens. “O prejuízo é dela”, fora a minha equação mental. Frio e lógico.
Todos nós temos problemas na vida e o que nos diferencia é a maneira como lidamos com eles. Essa característica faz de nós pessoas normais ou neuróticas.
Hoje meu dilema é uma macarronada. Uma macarronada com sardinha.
O maldito abridor de latas emperrou ao abrir essa merda de lata de sardinha, portanto, e para além da vontade de trilhar com os dentes a lata mastigando o seu conteúdo como um triturador de lixo, limitei-me a jogar pela janela esse objeto estúpido, proferindo as mais negras blasfêmias numa patética demonstração de neurose neurastênica.
Como canceriano já pensei em fazer terapia, mas logo precisaria de terapia para me adaptar a terapia porque já fiz terapia, e fiquei traumatizado.
Hoje estou feliz por ser assim, totalmente reativo aos pequenos problemas. É nas pedrinhas que eu tropeço, não nas montanhas. Não o fosse, teria atirado minha ex-mulher pela janela num impulso, e ao invés de ser hoje um neurótico, seria um homicida.
***